#Livros - O Homem Duplicado, de José Saramago

Sinopse

Tertuliano Máximo Afonso, professor de História no ensino secundário, «vive só e aborrece-se», «esteve casado e não se lembra do que o levou ao matrimónio, divorciou-se e agora não quer nem lembrar-se dos motivos por que se separou», à cadeira de História «vê-a ele desde há muito tempo como uma fadiga sem sentido e um começo sem fim». 

Uma noite, em casa, ao rever um filme na televisão, «levantou-se da cadeira, ajoelhou-se diante do televisor, a cara tão perto do ecrã quanto lhe permitia a visão, Sou eu, disse, e outra vez sentiu que se lhe eriçavam os pelos do corpo». 

Depois desta inesperada descoberta, de um homem exactamente igual a si, Tertuliano Máximo Afonso, o que vive só e se aborrece, parte à descoberta desse outro homem.

Opinião

Estou de regresso com o livro de Saramago do ano, ou seja, com o livro deste autor que decidi ler em 2019. A qualidade da sua obra é incontornável e quanto mais leio mais vontade tenho de ler tudo o que escreveu. Não deixa de ser admirável o seu percurso e a forma como se encontrou enquanto escritor numa fase tardia na vida. Imagino a quantidade de ideias que ficaram por contar... 

Desta vez, decidi agarrar no livro O Homem Duplicado, que nos conta a história de Tertuliano e da sua vida monótona, aborrecida, onde nada sai da sua rotina habitual. Vive a sua vida pessoal, profissional e sentimental com o mesmo desapego e desinteresse, como se nada daquilo tivesse a ver consigo próprio. 

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As suas rotinas são alteradas quando um colega o aconselha a ver um determinado filme e ele descobre um actor que é exactamente igual a si próprio. Algo que poderia passar como uma curiosidade, torna-se numa obsessão que o leva a procurar descobrir a identidade desse homem e a desejar encontrá-lo para perceber a razão de serem a cópia um do outro.

Vamos acompanhando a sua busca exaustiva e o modo como esconde esse seu desejo dos que o rodeiam, como o tal colega ou a namorada. Começa por alugar todos os filmes desse estúdio, tornando-se no melhor cliente do clube de vídeo. Agora que penso nisso, imagino a juventude a ler isto e a pensar no absurdo que é existir uma loja para alugar filmes em formato físico. Pormenores dos tempos e da voracidade dos avanços tecnológicos. 

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A forma como Saramago conta as suas histórias é única e o modo como constrói os seus enredos faz como que seja muito difícil parar a leitura. Estamos sempre desesperados para saber o que se segue, como irá acabar a sua proposta absurda e coerente. Será que irá encontrar o homem que procura? Será que se irão encontrar? O que irão descobrir ao longo desse encontro? É possível continuar a viver normalmente sabendo que existe alguém igual a nós? 

São só algumas das perguntas que nos assaltam ao longo da leitura do romance. É fácil colocar-nos no lugar do protagonista, tal é a forma como o autor nos dá entrada directa aos seus pensamentos e sentimentos. Este é mais um livro fascinante do nosso Nobel e que também ganhou uma adaptação ao Cinema que estou muito curiosa para ver. 

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Os capítulos finais são incríveis e repletos de voltas e reviravoltas e tem um final espectacular, daqueles que dá logo vontade de recomeçar a leitura. Se és dos que tem medo do estilo único de José Saramago, esquece isso, porque é muito fácil entrar e rapidamente vais dar por ti perfeitamente enquadrado e sem perceber sequer que não estás a ler um livro convencional. Esta é, sem dúvida, uma leitura que vale muito a pena. 

"Aquilo a que certa literatura preguiçosa chamou durante muito tempo silêncio eloquente não existe, os silêncios eloquentes são apenas palavras que ficaram atravessadas na garganta, palavras engasgadas que não puderam escapar ao aperto da glote." 

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"António Claro não perderá tempo a responder-lhe que é impossível não ter inimigos, que os inimigos não nascem da nossa vontade de os ter, mas do irresistível desejo que têm eles de nos terem a nós."