Sinopse
O longo monólogo dum condenado à morte no seu último dia de vida, onde passam as recordações, as saudades, as emoções, os sentimentos dum homem consciente de que para ele o Sol nasceu pela última vez.
Uma obra pungente e dramática que é simultaneamente um exemplo acabado de romantismo negro e um implacável requisitório contra a pena de morte!
Opinião
Nem acredito que nunca tinha lido nada de Victor Hugo, um autor incontornável da Literatura francesa, contemporâneo de Alexandre Dumas e que produziu algumas das obras mais famosas do mundo. Por tudo isto, parece inacreditável que nunca antes tenha lido nada, e que seja agora, com O Último Dia dum Condenado, que me estreio com Hugo. Ainda assim, foi uma estreia e tanto, pois apesar de se tratar dum autor consagrado, não podia imaginar o quanto esta leitura seria impactante e apaixonante.
Trata-se de um livro curto, com pouco mais de cem páginas, que seria possível ler de uma assentada, não fosse o tema pesado e sensível que retrata. Estamos perante um manifesto contra a pena de morte, onde Victor Hugo, através da sua mestria com as palavras, nos transporta para os derradeiros momentos de um homem que sabe que foi condenado e será morto em breve. Mas, ao contrário do que o título nos indica, não é apenas o último dia, mas as últimas semanas de vida de um homem que foi condenado à morte e aguarda pelo desfecho fatal.
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Cada palavra é escrita com o propósito de passar todos os sentimentos que vivem na cabeça de um condenado. O desespero, a esperança, a solidão, a saudade da vida, a ânsia de viver, a necessidade de uma segunda oportunidade. Uns sucedem-se aos outros, depois surgem todos ao mesmo tempo, como numa avalanche incontrolável. Momentos de revolta, momentos de comiseração. Isto tudo sem que em momento algum nos seja contado o verdadeiro motivo da sua condenação.
"Não estou doente! com efeito, sou jovem, são e forte. O sangue corre-me livremente nas veias; todos os meus membros obedecem a todos os meus caprichos; sou robusto de corpo e de espírito, constituído para uma longa vida; sim, tudo isso é verdade; e, no entanto, tenho uma doença, uma doença mortal, uma doença feita pela mão dos homens."
São lançadas algumas informações aleatórias, pequenos detalhes, que nos levam a pensar que o nosso protagonista, de quem nem o nome sabemos, matou alguém, mas as circunstâncias, quem era a vítima, quais os motivos que levaram a esse acontecimento, nada disso é revelado, porque o propósito é chamar à atenção para a pena, não para o crime. Não interessa o que pensamos ou sentimos pelos crimes cometidos, mas o que nos faz sentir a sentença desumana de tirar a vida de outra pessoa, seja qual for a sua culpa.
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Escrito como um diário, começa a ser escrito quando o condenado recebe a sua sentença, existindo um recurso a ser pedido entretanto e que se passa durante algumas semanas, terminando com o instante antes da pena ser executada. Apesar de tudo, sabemos que, no seu passado, teve acesso a uma boa educação, as suas roupas eram cuidadas, o que nos leva a concluir que era de classe social mais elevada do que seria de esperar. Além disso, somos apresentados às figuras do seu passado que viviam na sua alçada. São elas, a mãe idosa, a esposa e a filha pequena. Mas só os seus pensamentos sobre esta filha é que nos podem enternecer, pois o desprendimento para com a esposa e com a mãe dá calafrios.
"Fechei os olhos, pus as mãos na frente, e procurei esquecer o presente no passado. Enquanto sonho, as recordações da infância e da juventude voltam-me uma a uma doces, calmas, ridentes, como ilhas de flores neste abismo de pensamentos negros e confusos que turbilhonam no meu cérebro."
Estamos perante uma figura que só nos causa pena pela sua condição de condenado à morte, que sabe que, no final do dia, irá morrer. Tudo o resto, pelo contrário, existe para nos afastar dele, da sua dor, da sua personalidade, da sua experiência de vida livre e vida na prisão. É uma experiência de leitura fascinante e repleta de contradições, que nos causa sentimentos opostos, mas que nos faz pensar e reflectir. Afinal, em pleno século XXI, ainda existem sistemas judiciais que contemplam esta pena hedionda e desumana, além de outros países onde se discute a possibilidade de recuperar a pena de morte.
No entanto, se ainda precisas de mais motivos para leres O Último Dia dum Condenado, podes ver o vídeo da fantástica Tatiana Feltrin. Infelizmente, não temos muita da vasta obra de Victor Hugo publicada em Portugal, mas, ainda assim, quero ler mais livros deste autor incrível e conhecer melhor o legado que nos deixou. Já leste alguma coisa do autor francês? Conheces este livro especial? O que achaste? Que livros mais recomendas? Conta-me tudo nos comentários!