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terça-feira, 12 de novembro de 2024

#Livros - Rainhas de Portugal, de Francisco da Fonseca Benevides

 

Capa do livro 'Rainhas de Portugal' de Francisco da Fonseca Benevides, publicando pela Cultura Editora. A imagem mostra o tronco de uma mulher vestindo um lindo vestido antigo de cor clara, adornado com colares de pérolas, evocando a elegância e a riqueza da corte portuguesa. O fundo da capa é sóbrio, destacando a figura feminina que representa a temática central do livro sobre a história das rainhas de Portugal.

Sinopse

A verdadeira história das mulheres que governaram Portugal

Descubra quem foram as mulheres que estiveram na base da edificação do nosso país. Conheça os seus amores e as suas desilusões. Os casamentos, as lutas pelo poder, as maquinações e as histórias curiosas de cada época. Conheça os mais de trinta reis e as mais de quarenta rainhas que governaram Portugal desde a fundação da monarquia até à implantação da república. 

Rainhas de Portugal é um livro fundamental para se conhecer melhor a nossa História. 


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Opinião 

Francisco da Fonseca Benevides foi um destacado historiador e escritor português, reconhecido pelas suas contribuições significativas à Literatura, ao conhecimento da História de Portugal, além de outras áreas científicas. A proposta deste Rainhas de Portugal seria apresentar a perspectiva das figuras femininas pouco exploradas na historiografia tradicional, revelando a influência destas monarcas na política, na cultura e na sociedade portuguesa ao longo dos séculos. São figuras frequentemente relegadas para segundo plano nos registros históricos, mas que desempenharam papéis cruciais na manutenção da estabilidade do reino, nas alianças dinásticas e nas mudanças sociais e culturais que moldaram o país. 


A valorização das mulheres na História enriquece muito o nosso entendimento do passado e ainda pode inspirar novas gerações a reconhecerem e celebrarem a contribuição das mulheres em todas as esferas da sociedade. Confesso que desconhecia totalmente este livro, que foi escrito no século XIX, e só o descobri porque encontrei um exemplar perdido nas caixas das oportunidades da Cultura Editora, na Feira do Livro de Lisboa, e não lhe resisti. O autor apresenta um relato sobre as rainhas, desde as figuras mais icónicas até àquelas menos lembradas, terminando na esposa de D. Luís, o rei que se encontrava no trono na altura em que o livro foi publicado, o que significa que fica em falta a última rainha, D. Amélia. Baseado numa pesquisa histórica, não deixa, ainda assim, de ser datado, revelando uma forma de interpretar o papel das mulheres com um viés que rasa o machismo em determinados momentos, e que as coloca, na grande maioria, como figuras acessórias. 


Podes ler também a minha opinião sobre Teresa, A Condessa-Rainha


Ainda assim, conseguimos encontrar feitos políticos e ainda as influências culturais e sociais destas mulheres, revelando as suas lutas, conquistas e o impacto que tiveram na formação da identidade portuguesa. De referir que nem todas as mulheres retratadas no livro ocuparam, de facto, o trono português. Foram colocadas também as esposas de reis que faleceram antes de poderem alcançar o trono ou que só foram casar depois do trono português já não pertencer ao seu marido. No caso das primeiras rainhas, compreendo que existe pouca informação, mas à medida que os séculos vão passando, percebemos que muitas vezes parece que a existência duma rainha serve como desculpa para falar dos feitos e obras do rei com quem casou, sendo a mulher apenas uma sombra misteriosa que, por vezes, serviu mesmo para assegurar a sucessão do trono e pouco mais. 


"Em posição bem crítica ficou a bela viúva do conde D. Henrique, faltando-lhe a rija e valente espada do seu marido, na difícil situação em que se encontrava o governo do país; felizmente para Portugal, não era só a beleza física que adornava a rainha D. Teresa; a filha de Ximena Nunes escondia fina astúcia e hábil diplomacia sob uma formosura invulgar." 


O autor aborda temas como a luta pelo poder num contexto predominantemente masculino, a influência das rainhas nas decisões dinásticas e nas alianças internacionais. Entre as principais figuras apresentadas, destaco a rainha D. Teresa, a primeira a exercer influência política significativa e que primeiro se declarou rainha deste território, uma rainha de direito próprio, como herdeira do seu pai, de quem recebeu o governo do então Condado Portucalense. Em Portugal, nunca existiu a lei sálica, portanto, as mulheres nunca foram impedidas de herdar o trono. No entanto, apenas tivemos duas rainhas reinantes. D. Maria I foi a primeira a governar o país por direito próprio, mas que acabou relegada para segundo plano pelos problemas de saúde. Já D. Maria II, por seu lado, agarrou o governo nas mãos sem medos ou pudores, e não se esquivou a participar na vida pública, num momento em que se estreava o modelo constitucional no nosso país. 


Podes ler ainda a minha opinião sobre Carlota Joaquina e Leopoldina de Habsburgo 


No livro, Benevides adopta um estilo de escrita baseado no rigor histórico, com muitas referências a fontes primárias e secundárias e documentos que servem de base para a maioria das conclusões que são partilhadas. Sempre que existe controvérsia, são partilhadas as várias teorias dos historiadores, embora indique aquela com a qual se identifica e considera a correcta. Utiliza uma prosa clara e acessível, ainda que própria do século XIX, o que significa que não é utilizada uma linguagem ou pensamento moderno, como o que estamos habituados ou até à espera se, como eu, não souberes de antemão da data de publicação original da obra. São intercalados dados factuais com algumas curiosidades que humanizam estas personagens históricas, ao mesmo tempo que tomamos consciência que existem bastantes escândalos e casos inusitados na História da Monarquia portuguesa. Algo que me interessou foi a forma como contextualiza as épocas em que cada rainha viveu, em termos sociais, políticos e culturais, algo que influencia as suas decisões e torna mais fácil de entender os acontecimentos. 


"Quanto aos casamentos, que tão repetidamente se fizeram entre os príncipes portugueses e castelhanos, não realizaram as venturas, a glória e o poder que, por vezes, se esperava deles, e, frequentemente, em vez de cimentarem a aliança e a paz entre os povos, produziram, ou não puderam impedir, discórdias e guerras, algumas das quais bem desastrosas." 


Com uma estrutura bem organizada, dividida em capítulos, cada um dedicado a uma rainha específica, sempre respeitando a ordem cronológica. Tendo em consideração a época em que foi publicado pela primeira vez, Rainhas de Portugal deu uma contribuição significativa para a compreensão da História de Portugal, procurando destacar o papel que as mulheres desempenharam na formação política e social do país. Quanto ao livro físico e as suas características, tenho de referir que alguns aspectos interferiram com a qualidade e fluidez da leitura. Apesar do papel ser bem diagramado e com um tom bem confortável, o mesmo não se pode dizer do tamanho da letra nem da mancha que provocou cansaço quando tentava ler mais do que um capítulo por dia, agravado quando os capítulos começaram a ficar maiores nas rainhas mais recentes. 


Em suma, encontramos uma análise rica da vida das rainhas, dos factos e da sua influência no seu tempo, embora o foco seja desviado frequentemente para os seus maridos e os seus feitos ou erros de governação. Contudo, o relato é cuidadoso e bem documentado, além de ter o mérito de reunir todas estas mulheres, mesmo as mais obscuras e tantas vezes esquecidas. Apesar de não ter sido uma leitura extraordinária, acho que pode agradar aos que se interessam pela História de Portugal e, especificamente, pelo papel das rainhas na evolução do país. Este livro pode muito bem ser um ponto de partida para ter um conhecimento geral sobre estas mulheres, para depois seguires para as biografias das rainhas que mais te interessaram. Agora, quero saber a tua opinião! Já conhecias este livro? O que achaste da abordagem sobre as rainhas? Qual a que mais te interessa? Alguma cuja trajetória te tenha surpreendido? Conta-me tudo nos comentários! 


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Wook | Bertrand 

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

#Documentário - Elvis & Priscilla: Conditional Love

 

Imagem romântica em tons de roxo do icônico casamento de Elvis Presley e Priscilla Beaulieu, capturando o amor e a felicidade do casal em um momento especial. Seus olhares entrelaçados refletem a intensidade de sua conexão e o início de uma história de amor marcada por glamour e desafios.

Sinopse

Elvis e Priscilla são um dos casais de celebridades mais famosos de todos os tempos. Mas a história que está por trás da fachada glamorosa é mais tóxica do que parece à primeira vista. 


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Opinião 

O documentário Elvis & Priscilla: Condicional Love pretende oferecer uma nova perspectiva sobre a icónica relação entre Elvis Presley e Priscilla Beaulieu, explorando não só os aspectos glamourosos da vida do Rei do Rock, mas também as complexidades emocionais e os desafios que marcaram a sua união. Através duma rica coleta de imagens de arquivo, entrevistas e relatos pessoais, revela como o amor deles foi moldado por fatores sociais e culturais da época, além de tensões decorrentes da fama e do crescente distanciamento. 


Elvis Presley emergiu na década de 1950 como um ícone revolucionário da música, unindo a influência do blues, country e gospel para criar um som que transformou a cultura pop. O seu carisma no palco e as suas inovações musicais tornaram-no numa estrela mundial e ainda no símbolo duma geração sedenta por novidade e liberdade de expressão. Priscilla Presley, por sua vez, entrou na vida de Elvis quando tinha apenas 14 anos, após conhecer o cantor na base aérea onde ele estava estacionado. A sua relação, marcada por amor, controvérsia e complexidade, tornou-se num dos romances mais emblemáticos do século XX. E é essa polémica relação entre Elvis e Priscilla, desde a adolescência até aos desdobramentos do seu casamento e posterior separação, que é explorada neste documentário. 


Podes ler também sobre o documentário I Am Celine Dion


À medida que o documentário avança, ele examina as pressões da fama, o impacto da indústria da música e as expectativas sociais da época, além de aprofundar a transformação de Priscilla, que passou de jovem apaixonada a mulher que procura a sua própria identidade. São destacados temas fundamentais como o amor, a fama e os conflitos. Através de relatos íntimos e imagens de arquivo, a obra revela-nos como amor entre o icónico cantor e a sua jovem esposa foi moldado não só pela paixão, mas também pela pressão da fama, que criou um ambiente de insegurança e ciúmes. O documentário aborda, ainda, os constantes conflitos que surgiram devido ao estilo de vida extravagante de Elvis e as expectativas sociais da época, questionando a natureza do amor que se desenvolveu entre o casal com o passar dos anos. 


Uma fotografia em preto e branco do icônico casal Elvis Presley e Priscilla Presley, capturada em um momento íntimo, onde eles estão abraçando ternamente sua filha recém-nascida. O contraste suave das sombras e luzes destaca a expressão de amor e proteção no rosto de Elvis, enquanto Priscilla demonstra um olhar de carinho e tranquilidade. Este retrato é um testemunho da sua vida familiar e da conexão profunda entre os três, simbolizando o lado mais pessoal da fama e da história do rei do rock.

No documentário, Elvis é retratado como uma figura bem complexa, marcada pela sua genialidade artística e uma personalidade susceptível a influências dos que o rodeiam, que nem sempre têm o seu melhor interesse em consideração. No fundo, era um homem vulnerável, que lutava para equilibrar a intensa pressão da fama com a sua vida pessoal, nunca conseguindo voltar a ter algo parecido com uma vida normal e banal. A sua magnética presença de palco contrasta com momentos de insegurança e solidão, revelando um Elvis que, apesar da sua imensa popularidade, muitas vezes se sentia aprisionado na sua própria imagem, obrigado a enquadrar-se nas expectativas de todo um país. Por outro lado, Priscilla emerge como uma figura inocente, cuja evolução reflete bem os altos e baixos do seu relacionamento com Elvis. Desde o início como jovem adolescente fascinada pela estrela do rock, Priscilla vê-se dividida entre as expectativas impostas pelo mundo da fama e as suas próprias aspirações. Ao longo do documentário, vemos o seu caminho repleto de desafios e a sua luta inglória para resgatar o marido da dependência química que o tornava apenas apto para os palcos, deixando-o prostrado o resto do tempo. 


Podes ler ainda sobre o filme Elvis 


Temos aqui uma produção cuidadosa que apresenta diferentes perspectivas, que permite que o público entenda não só a idolatria em torno de Elvis, mas também os desafios e as contradições do relacionamento do casal, com problemas transversais a todos os casais, mas inflacionados pelo peso da fama e da exposição pública. Como já referi, é utilizada uma poderosa combinação de arquivos da época e entrevistas reveladoras para explorar esta complexa relação amorosa. Destaca-se ainda pelo seu estilo visual marcante e uma sonoridade envolvente, que juntos criam uma atmosfera nostálgica e íntima, que ainda evoca a estética dos anos 60, e nos transporta para o tempo em que a Elvismania estava no auge, culminando nos anos decadentes, mas que ainda moviam multidões e resultava em muito dinheiro, dinheiro esse que era desejado por todos os parasitas que vivam à custa do artista e que pouco faziam pela saúde dele. 



Assistir a este documentário é uma experiência fascinante por causa da sua narrativa envolvente que consegue capturar tanto a grandiosidade da vida do astro Elvis Presley, quanto os desafios emocionais que marcaram a sua relação com Priscilla. A profundidade emocional apresentada ao longo da obra é notável, proporcionando ao espectador uma nova perspectiva sobre o amor complicado e muitas vezes turbulento do casal, revelando camadas de vulnerabilidade e resiliência que vão além da imagem pública do Rei do Rock. Assim, o documentário destaca-se também por abordar questões profundas sobre relações de poder, dependência emocional e a construção da identidade. Ao explorar a dinâmica do casal, o filme oferece uma reflexão sobre como a fama e o estrelato podem influenciar as relações pessoais, colocando em evidência as dificuldades enfrentadas pela Priscilla para encontrar a sua própria voz enquanto estava à sombra dum ídolo do tamanho de Elvis. 


Portanto, se és fã de Elvis Presley, de Rock & Roll ou apenas apenas apaixonado por documentários sobre celebridades, Elvis & Priscilla: Condicional Love é uma obra imperdível. Vais poder revisitar a história dum dos casais mais emblemáticos da culturar pop, ficar a conhecer detalhes obscuros da sua relação e enriquecer a tua visão sobre o quanto são complexas as relações expostas à fama. Agora, quero muito saber a tua opinião! Já viste o documentário? O que achaste desta relação tumultuosa? Qual foi o aspecto que mais te impactou? Conta-me tudo nos comentários abaixo! 

terça-feira, 5 de novembro de 2024

#Livros - O Espelho e a Luz, de Hilary Mantel

 

A foto de capa do livro "O Espelho e a Luz", de Hilary Mantel, apresenta um fundo em suaves tons de verde que evocam uma atmosfera de mistério e reflexão. Em destaque, uma elegante gravura de um leão dourado simboliza poder e nobreza, refletindo o tema central da obra sobre as intricadas relações de poder na corte de Henrique VIII. O design harmonioso e sofisticado captura a essência do final da trilogia, convidando o leitor a mergulhar na complexidade da vida de Thomas Cromwell e suas manobras no tumultuado cenário político da Inglaterra renascentista.

Sinopse

«Se não se pode dizer a verdade no momento da decapitação, quando poderá ela ser dita?» 

Inglaterra, maior de 1536. Ana Bolena está morta, decapitada no espaço de um batimento cardíaco por um executor francês contratado. Enquanto os seus restos mortais são recolhidos e votados ao esquecimento, Thomas Cromwell toma o pequeno-almoço com os vitoriosos. O filho do ferreiro de Putney emerge do banho de sangue daquela primavera para prosseguir a sua ascensão ao poder e à riqueza, enquanto o seu magnífico amo, Henrique VIII, se prepara para viver uma breve felicidade com a sua terceira rainha, Jane Seymour. 

Cromwell é um homem que conta apenas com a sua inteligência; não tem uma família importante que o apoie nem o seu próprio exército. Apesar da rebelião em solo nacional, dos traidores que conspiram no estrangeiro e da ameaça de invasão que coloca o regime de Henrique VIII à prova até ao ponto de rutura, a imaginação resoluta de Cromwell vislumbra um país novo no espelho do futuro. Mas poderá uma nação ou uma pessoa desfazer-se do passado como se de uma pele se tratasse? Continuarão os mortos a assombrá-lo? O que fareis - pergunta o embaixador de Espanha a Cromwell - quando, um dia, o rei se virar contra vós, como mais tarde ou mais cedo ele se vira contra todos os que lhe são próximos? 

Com O Espelho e a Luz, Hilary Mantel encerra de modo triunfante a trilogia que iniciou com Wolf Hall e O Livro Negro. Traça os derradeiros anos de Thomas Cromwell, o rapaz vindo do nada que ascende aos píncaros do poder, delineando um retrato preciso de predador e presa, de uma disputa feroz entre presente e passado, entre a vontade régia e a visão de um homem comum de uma nação moderna que se constrói a partir do conflito, da paixão e da coragem. 


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Opinião 

Hilary Mantel, amplamente reconhecida pelas suas contribuições à literatura histórica, tem sido uma muito agradável descoberta ao longo desta trilogia sobre Thomas Cromwell. O Espelho e a Luz traz o encerramento da trilogia, com mais um relato extraordinário sobre uma época única na História. Desde o primeiro volume, Mantel constrói uma narrativa rica em nuances, explorando as intrigas da corte de Henrique VIII, ao mesmo tempo que relata a ascensão e queda dum homem que, a partir de origens humildes, se transforma numa peça-chave no tabuleiro do poder. Com a sua prosa magistral, a autora oferece um retrato definitivo sobre um período tumultuado da História inglesa, revelando como os ecos das decisões de Cromwell ressoam até aos dias de hoje. 


Estamos a falar dum período marcado por profundas transformações religiosas, que culminaram na ruptura com a Igreja Católica e na criação da Igreja Anglicana, um movimento impulsionado pelo desejo do rei por um herdeiro masculino e pela sua paixão por Ana Bolena. Wolf Hall explora a infância e a juventude de Cromwell, as suas habilidades políticas e a sua lealdade ao cardeal Thomas Wolsey, culminando com a sua ascensão como conselheiro do rei. Já O Livro Negro concentra-se na trama para depor Ana Bolena, capturando os dilemas morais e políticos enfrentados por Cromwell enquanto navega pelas intrigas da corte, que o recebe sempre com desconfiança, mantendo a sua ambição e procurando a sua sobrevivência. Juntos, esses dois primeiros volumes oferecem um rico contexto sobre a complexidade do personagem, preparando o terreno para o desfecho explosivo de O Espelho e a Luz.


Podes ler também a minha opinião sobre Wolf Hall


O livro passa-se nos últimos anos da vida de Cromwell, tornando-se cada vez mais evidente o feito extraordinário para a época que foi a sua ascensão na corte Tudor. Após a execução de Ana Bolena, Cromwell enfrenta a desconfiança de novos aliados e inimigos, sem esquecer os velhos que afastou da ribalta e que não esquecem o seu desejo de ver cair o conselheiro de origens humildes e que parece indispensável ao rei. A busca pela legitimidade e estabilidade do reino traz desafios cada vez maiores, que leva Cromwell, após a morte da rainha Jane, a procurar uma nova aliança através do casamento dentro dos principados alemães, a única forma de obter apoio em caso de conflito contra a França e a Espanha, católicos que não aceitam a nova Igreja da Inglaterra. 


"São os seus conselheiros, a equipa mais cruel que alguma vez existiu, que carregam com os pecados dele, que aceitam ser pessoas piores, para que Henry possa ser melhor."


Neste desfecho, Hilary Mantel apresenta um Thomas Cromwell profundamente imerso num labirinto de conflitos políticos e pessoais, dele e do rei, que refletem a turbulência da corte inglesa do século XVI. A luta de Cromwell para equilibrar os seus interesses pessoais e os objectivos dinásticos de Henrique VIII revela a complexidade da sua personagem. Além disso, o peso das suas escolhas morais e as suas consequências - tanto para os seus aliados quanto para os seus inimigos - permeia a narrativa, gerando um retrato multifacetado da vida política do homem, que protegeu inimigos ou mostrou piedade para com as mulheres envolvidas nas conspirações contra o rei, tentando controlar a fúria do rei em certa medida. Através desta jornada, ele torna-se um espelho das suas próprias ilusões e verdades sombrias da era Tudor, a sua transformação culmina num reconhecimento doloroso de que, por mais que ele tenha moldado a História ao seu redor, ele também se torna numa vítima dela. 


Podes ler ainda a minha opinião sobre O Livro Negro


A autora mergulha na dualidade moral dos personagens, questionando até onde um homem é capaz de ir por poder e influência, e como os valores éticos são distorcidos pela competição feroz. Com uma narrativa rica e intricada, revisitamos os eventos históricos que marcaram a História da Inglaterra enquanto exploramos as complexidades das relações humanas num contexto de poder, ambição e traição. Mantel utiliza uma prosa lírica e intimista, que permite ao leitor penetrar na mente dos personagens, revelando as suas motivações, medos e vulnerabilidades. A autora desafia a dicotomia entre herói e vilão, apresentando Cromwell como um homem multifacetado, cujas decisões morais são tão ambíguas quanto os jogos políticos que o cercam. Esta abordagem mostra a fragilidade das alianças e expõe a brutalidade duma época em que até os laços familiares podiam desfazer-se em nome da sobrevivência. Além de relatar a história dum homem no epicentro de eventos históricos, lança luz sobre o quanto influenciou as mudanças na Inglaterra do seu tempo e a forma como ajudou o rei a aproximar-se da religião em que acreditava e que gostaria de ver implementada no seu país. 


"O que é a vida de uma mulher? Não pensem que, por não ser um homem, ela não precisa de lutar. O quarto de dormir é o seu pátio de justas, onde mostra o que vale, e o seu teatro de guerra é o quarto isolado onde ela dá à luz."  


O Espelho e a Luz é uma obra que não só fecha um ciclo, como ainda eleva a narrativa histórica a um patamar de excelência literária. Mantel consegue, de maneira excepcional, entrelaçar a complexidade política da Inglaterra Tudor com os dilemas pessoais e morais do seu protagonista, tornando Cromwell uma figura ao mesmo tempo fascinante e trágica. Este volume final culmina num arco narrativo magistral, onde o desenvolvimento do personagem é tão intricadamente ligado aos eventos históricos que se tornam quase indissociáveis. Esta é mesmo uma conclusão digna para a trilogia, consolidando a obra como um marco na literatura histórica contemporânea e solidificando o lugar de Hilary Mantel como uma das grandes vozes da sua geração. São quase novecentas páginas que nos conduzem pelos últimos anos de Cromwell, que me proporcionaram uma visão bem diferente deste homem controverso e que tanta falta fez a Henrique VIII depois de ter caído em desgraça. 


No fundo, Cromwell, figura complexa e multifacetada, emerge como o arquétipo do político astuto do século XVI, capaz de ultrapassar as suas origens humildes e alcançar o lugar de homem de confiança do rei, que o coloca muito acima da sua posição de nascimento. O legado de Cromwell na História é incontornável e a sua trajetória meteórica continua a provocar debates sobre as complexas dinâmicas de poder que moldaram a Inglaterra moderna. A trilogia solidifica Cromwell como um personagem eterno, deixando um desejo de saber ainda mais sobre a veracidade da vida misteriosa deste homem tão peculiar, inteligente e capaz de chegar onde poucos sonharam chegar. Está certamente no topo de experiências de leituras deste ano e só posso recomendar a leitura para todos os que apreciam uma narrativa rica em detalhes históricos, sobretudo no que toca à Inglaterra Tudor e à corte de Henrique VIII. 


Agora, quero convidar-te a partilhar a tua opinião! Já leste a trilogia de Hilary Mantel? O que achaste da construção da figura de Thomas Cromwell? Qual o teu volume favorito? Que outras obras da autora recomendas? Conta-me tudo nos comentários! 


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