Sinopse
Em 1807, perante a invasão de Portugal pelas tropas napoleónicas, a corte transferiu-se para o Brasil. D. Carlota Joaquina, mulher do príncipe regente, o futuro D. João VI, tornar-se-ia rainha de Portugal já no Novo Mundo, destino que seria partilhado com a sua futura nora, D. Leopoldina de Habsburgo, mulher de D. Pedro IV, imperatriz do Brasil e rainha de Portugal.
Carlota Joaquina (1775-1830) é talvez a mais controversa rainha de Portugal. A imagem negativa que dela ficou construiu-se em torno do seu aspecto físico, longe da harmonia e da beleza desejáveis numa princesa, e das suas características morais, sendo acusada de ambição política desmedida, de dissimulação e de traição. Carlota Joaquina manobrou habilmente nos meandros políticos peninsulares e americanos, sempre descontente com a sua situação de consorte. Acompanhou a corte na deslocação para o Brasil, onde foi motivo de embaraços diplomáticos, e, de regresso a Lisboa em 1821, assumiu posições polémicas ao rejeitar a Constituição, convertendo-se num polo aglutinador das forças antiliberais.
Leopoldina de Habsburgo nasceu em Viena, em 1797. Aos 20 anos atravessou o oceano para viver no Brasil, então sede do Reino Unido luso-brasileiro, consciente da missão que lhe cabia ao casar com o príncipe herdeiro do trono português, D. Pedro, seguindo a estratégia traçada pelas casas de Bragança e de Habsburgo, com vista à consolidação do governo monárquico absolutista na América e o seu consequente revigoramento na Europa. Cultivadora das artes e do conhecimento científico, mulher erudita e apaixonada, agente expoente na criação do Império do Brasil, faleceu ainda jovem, aos 29 anos, deixando cinco filho pequenos, entre eles: a rainha de Portugal, D. Maria II, e o segundo imperador do Brasil, D. Pedro II.
Opinião
Depois de me ter iniciado nos registos biográficos com as Memórias de Giuseppe Garibaldi, não consegui ficar indiferente ao lançamento, em Portugal, de uma biografia que pretendia contar-nos da vida de duas rainhas de Portugal que marcaram a passagem da corte pelo Brasil, a transição do Absolutismo para o Liberalismo e que nos deram Reis para Portugal e para o Brasil.Trata-se de um livro gentilmente cedido pela Temas e Debates, a meu pedido, o que, como já sabes, não irá impedir que a minha opinião seja o mais transparente que seja capaz. Como todos estamos cansados de saber, a História está sempre com os holofotes virados para os homens, deixando que as mulheres fiquem na sombra sem que se conheça o seu real papel nos acontecimentos e nas decisões que afectam todos ao seu redor.
É por esse motivo que gosto tanto de romances históricos, especialmente os que são escritos por mulheres e que colocam mulheres como protagonistas. Logo, tratando-se de um registo biográfico, mais curiosa fiquei por se focarem nas rainhas, em vez de nos reis, como vinha sendo hábito. No entanto, as diferenças entre as duas biografias sobre as quais iremos falar hoje são mais que muitas e notam-se até pela diferença de género dos autores.
Mas vamos começar pelo princípio, que é como quem diz, pela Rainha Carlota Joaquina. A sua má fama está absolutamente enraizada na tradição popular e todos já ouvimos falar desta senhora e dificilmente pelas melhores razões. Desde o seu aspecto físico, passando pelas alegadas infidelidades, sem esquecer a sua compulsão para conspirar contra o marido e almejar um lugar de poder para si própria, fosse em Portugal, em Espanha ou no Brasil.
Existem muitos relatos, pouco isentos, das duas primeiras, mas as conspirações podem ser comprovadas pela sua correspondência particular, onde procurava o que achava que era seu por direito. Sendo uma Infanta de Espanha, acreditava ser capaz de governar melhor do que o marido, embora nem sempre tenha colocado os interesses portugueses à frente dos seus.
O marido e os que o rodeavam não confiavam nesta rainha que parecia ir contra a ordem natural das coisas e que não se limitava à vida doméstica e que desejava mais do que ser esposa e mãe de reis. Terá tido uma vida um tanto ou quanto frustrante por se ver, repetidamente, afastada do poder e sem que as suas opiniões fossem ouvidas e tidas em conta.
Talvez por esta rainha ser um tanto ou quanto desagradável, a primeira parte deste livro, escrita por António Ventura, foi de difícil leitura. Na minha opinião, o enquadramento histórico teve mais protagonismo do que a própria Carlota Joaquina ao longo das páginas, o que, mesmo para mim que gosto de História, se revelou um pouco aborrecido.
As partes mais interessantes foram as cartas que a própria escreveu e as ilustrações que acompanham e embelezam este livro. O bom gosto impera em todas as páginas desta obra, mas confesso que a biografia de Carlota Joaquina não ganhou o meu coração e me deixou apreensiva quanto ao que se iria seguir com a próxima rainha.
"Para os absolutistas, Carlota Joaquina encarnava a coragem e a determinação de quem recusa violar a sua própria consciência em nome de princípios revolucionários que visavam destruir a tradição. Para eles, a rainha era um símbolo vivo de resistência. Em seu redor se agrupariam os elementos antiliberais, absolutistas e, de um modo geral, todos os que estavam em desacordo com a nova situação e preparavam o regresso ao passado."
"Se nunca conseguiu, ao longo da sua vida, ter acesso ao poder que tanto ambicionava, em Portugal, na América, em Espanha, podia ao menos ver que as suas ideias políticas se materializavam na realeza do filho feito rei absoluto."
Sobre Leopoldina de Habsburgo, confesso, sabia muito pouco. Tirando que foi esposa de D. Pedro IV, não tinha conhecimentos sobre esta princesa que atravessou o Atlântico para ocupar o seu lugar na História, aceitando os riscos inerentes com o simples propósito de fazer a vontade a seu pai e estabelecer a aliança entre os dois países.
Esta foi uma biografia destacadamente mais interessante que a anterior. Sobretudo, por estar documentada por inúmeras cartas trocadas pela futura rainha e a sua família, onde contava muito do que lhe ia na mente e no coração. Revela-se uma menina ingénua, sonhadora e pronta para ser feliz a todo o custo. Apaixona-se pelo futuro marido ainda antes de o ver pela primeira vez e, inevitavelmente, acaba por se desiludir com as infidelidades e com o seu jeito pouco polido.
No entanto, a sua educação foi a de uma princesa que sabe ocupar o seu lugar e conhece o modo como se deve comportar para não transparecer a sua mágoa aos que a rodeiam. Não perde a face em público, ainda que os seus sonhos tenham sido gorados e a sua paixão tenha esmorecido. A maternidade ocupa um lugar importante na sua vida e penso que terá sido o consolo que precisava para aguentar os comportamentos do marido.
A autora apresenta-nos os factos sobre a vida desta princesa austríaca de uma forma muito agradável e que nos prende do início ao fim, tornando a leitura célere e sem qualquer sombra de sacrifício para continuar. Pelo contrário, sacrifício é ter de parar para dormir e adiar a leitura para o dia seguinte. Ainda que existam sempre períodos mais e menos interessantes em qualquer vida, ao longo deste relato não o sentimos de forma explícita.
Volto a reforçar o bom gosto desta edição e a relevância das personalidades tanto em Portugal como no Brasil, pelo papel que estas mulheres desempenharam na sua época. Fiquei muito agradada com estas biografias e conto continuar a dedicar-me a este género com mais frequência. Quanto a ti, também gostas de Biografias? Já leste esta edição? E que outras me sugeres para as minhas próximas leituras?
"O destino que lhe fora traçado parecia bastante venturoso e talvez tenha sido também por ela encarado como libertador da triste sina comum às princesas, frequentemente destinadas a homens bem mais velhos. Ela era a primeira princesa europeia que, para casar, teria que enfrentar a arriscada travessia do oceano e conviver com o forte calor tropical."
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