Sinopse
Publicado em 1874 originalmente em folhetim, A Mão e a Luva, o segundo romance de Machado de Assis, corresponde ao estereótipo de romance romântico. Afilhada de uma rica baronesa, Guiomar, uma jovem de origem humilde com uma ambição desmedida, desperta o interesse de três pretendentes e tem de se decidir por um deles. Estevão - sentimental, doidivanas, ingénuo e piegas - amaria a primeira mulher que se interessasse por ele. Jorge, egoísta e narcisista, norteia a vida pela futilidade e pela indefinição de objectivos. Luís Alves - frio, metódico, reservado e ambicioso - sabe o que quer e não revela seus sentimentos a ninguém. De tal forma que só se decide a pedir a mão da amada quando sente o domínio total da situação e sabe que ela dirá que sim. Em conflito permanente com a emoção e a razão, a decidida Guiomar vai te de escolher a melhor "luva" para a sua mão.
Mas A Mão e a Luva é muito mais do que isso, podendo até ser o primeiro romance realista brasileiro - será?
Opinião
Gentilmente enviado pela editora Guerra e Paz, recebi a nova edição do segundo romance do grande, do gigante, Machado de Assis. Para começar, todos os livros desta editora são de um bom gosto como não se encontra habitualmente em Portugal, o papel é de qualidade, a letra confortável à leitura, todos os detalhes parecem ser tidos em conta, cheira a livros de verdade, sabes? Isto sem esquecer todos os textos complementares, que acrescentam valor e ajudam a compreender melhor o autor e a obra que apresenta.
O mesmo se passa com esta edição de A Mão e a Luva, onde podemos encontrar uma nota introdutório escrita pelos editores e, no final, um perfil de Machado escrito por José Veríssimo e o Queda Que as Mulheres têm para os Tolos, obra que chegou a ser traduzida pelo brasileiro e que deverá ter servido como inspiração para a forma como retrata estes apaixonados. E como se encontra gente apaixonada neste livro! São muitos e totalmente diferentes entre si, como se mostrassem quantas formas de amar existem e revelassem onde reside o factor determinante para conquistar as mulheres.
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O primeiro que conhecemos é Estevão, romântico incurável, que sente tudo intensamente e sem filtros ou qualquer controlo sobre os seus sentimentos. A esperança no amor correspondido faz que tenha devaneios e ilusões de felicidade eterna. As desilusões fazem com que sofra como um desalmado, que tenha ânsias de morrer, pensando que poderia matar-se ou simplesmente morrer de amor. É também ele que nos apresenta a nossa protagonista, Guiomar, a menina que se torna mulher e que reúne à sua volta uma série de admiradores.
"O coração era capaz de afeições; mas, como ficou dito no primeiro capítulo, ele sabia regê-las, moderá-las e guiá-las ao seu próprio interesse. Não era corrupto nem perverso; também não se pode dizer que fosse dedicado nem cavalheiresco; era, ao cabo de tudo, um homem friamente ambicioso."
O segundo pretendente de Guiomar é Jorge, sobrinho da sua madrinha, e cujo casamento faria muito feliz a mulher a quem tanto tem a agradecer. O rapaz vive bem dos rendimentos que herdou e posição que somaria com este casamento só potenciaria a sua capacidade de viver sem esforços nem necessidade de trabalhar. A sua falta de ambição, até uma certa apatia, tornam-no uma das personagens mais aborrecidas de que me recordo. Está longe de ser apaixonado por Guiomar, pelo menos não da forma que estamos habituados a ver. O que o apaixona é a possibilidade de ser adorado, de ser desejado pela moça, que estando numa posição inferior por nascimento, seria aceite por si numa prova de abnegação.
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Por fim, temos o candidato inesperado, Luís Alves, melhor amigo e confidente de Estevão e vizinho de Guiomar e da sua madrinha. Homem racional, que se emociona perante sentimentos verdadeiros, mas que não se deixa afundar na comiseração, nem aceita que sejam os sentimentos a comandá-lo. Os seus interesses e propósitos vêm sempre em primeiro lugar. Ambicioso, determinado a ser alguém, inteligente e sagaz. A sua personalidade é a mais interessante entre todos, e o seu interesse por Guiomar é menos apaixonado e intenso do que o de Estevão, mas muito mais determinado, confiante e intencional do que o de Jorge.
"Havia nisto um pouco de meio indirecto, de tática, de afetação, estou quase a dizer de hipocrisia, se não tomassem à má parte o vocábulo. Havia, mas isto mesmo lhe dirá que esta Guiomar, sem perder as excelências de seu coração, era do barro comum de que Deus fez a nossa pouco sincera humanidade; e lhes dirá também que, apesar de seus verdes anos, ela compreendia já que as aparências de um sacrifício valem mais, muita vez, do que o próprio sacrifício."
E, por fim, vamos falar da nossa doce protagonista, a popular Guiomar. Menina que nasceu pobre, teve a sorte de ter uma madrinha rica, que lhe proporcionou uma boa educação e a acolheu quando esta ficou órfã e a sua própria filha morreu, consolando-se mutuamente. Mas o seu coração parece ser um campo difícil de aceder, apesar dos esforços e das qualidades dos seus pretendentes. Ninguém consegue perceber muito bem o que esconde a sua frieza, mas ao longo da narrativa vamos compreendendo a sua essência, o seu bom coração, mas também a sua ambição e determinação.
Em torno destes personagens gira o nosso enredo que, sendo romântico, está longe de abraçar o estilo como era hábito na época de Machado de Assis. Primeiro, pelo tom irónico e com críticas subjacentes a esse mesmo romantismo bacoco, depois porque o autor sempre foi fiel a si próprio, nunca correndo atrás das correntes em voga, de modas nem tão pouco do que era esperado e desejado pelo público. Como sempre, Machado não desilude e apresenta um livro espectacular, relativamente curto, que proporciona uma agradável experiência de leitura. Aliás, considero que este poderia muito bem ser uma excelente porta de entrada para quem está agora a começar a ler a obra do autor.
Já conhecias este romance de Machado? Qual o teu romance favorito do autor? Algum dos mais famosos? Ou dos menos conhecidos?
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