Sinopse
Memórias Póstumas de Brás Cubas representa um marco decisivo tanto no desenvolvimento da obra do seu autor como na evolução da literatura brasileira. Rompendo com o estilo Romântico dos anteriores livros de Machado de Assis, é considerado o romance inaugural do Realismo brasileiro.
Publicado originalmente em folhetim, em 1880, na Revista Brasileira, saiu em livro em 1881, causando espanto à crítica da época: a obra era extremamente ousada do ponto de vista formal e apresentava as mais radicais experimentações na prosa brasileira até então, rompendo definitivamente com as fórmulas consagradas pelo Romantismo. Narrado por um defunto, o romance apresenta uma visão irónica do mundo e das pessoas, numa crítica mordaz à hipocrisia reinante. Livre e descomprometido com a sociedade, Brás Cubas, o narrador, revela e analisa não só os motivos secretos do seu próprio comportamento como também põe a nu as hipocrisias e vaidades das pessoas com quem conviveu. Um retrato da elite carioca do final do século XIX: uma burguesia rica com anseios de nobreza.
Fiel ao humor, à ironia e também à liberdade do texto machadiano, e antecipando procedimentos modernistas e descobertas da psicanálise, Memórias Póstumas de Brás Cubas elevou a literatura brasileira a um patamar que esta jamais havia atingido.
Opinião
Este será o primeiro livro lido da remessa de compras que fiz na Feira do Livro de Lisboa de 2021 e precisamente porque não resisti a começar pelo incontornável Machado de Assis. Ao contrário do que se passa no Brasil e bem, nunca li Machado na fase escolar e esta foi uma descoberta literária da vida adulta que tem sido espectacular. Aliás, tenho até dificuldade em entender a malta que não gosta do autor e deduzo que sejam traumas da adolescência como por cá acontece com Eça de Queirós ou Camilo Castelo Branco.
Pois que desta vez peguei em mais um livro obrigatório dentre a obra de Machado de Assis e que tem uma premissa para cima de espectacular. Isto porque estamos perante um livro narrado na primeira pessoa, em tom de memórias, como se costuma fazer mais perto do final da vida, só que, neste caso particular, Brás Cubas já está morto quando decide que é o momento de passar uma parte da eternidade que tem pela frente a escrever as suas memórias, desde a infância até à morte.
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Esta ideia parece tão desparatada mas funciona de forma inacreditável ao longo de todo o enredo. O tom é irónico e mordaz e remete-nos para a fase mais realista de Machado de Assis, com a sua mestria na escrita e na capacidade de nos prender ao longo de cada capítulo. Quando penso que isto foi inicialmente publicado folhetim fico a pensar na ansiedade que seria ter de esperar pelo capítulo seguinte para perceber para onde iria esta história.
"Ao cabo, era um lindo garção, lindo e audaz, que entrava na vida de botas e esporas, chicote na mão e sangue nas veias, cavalgando um corcel nervoso, rijo, veloz, como o corcel das antigas baladas, que o romantismo foi buscar ao castelo medieval, para dar com eles nas ruas do nosso século. O pior é que o estafaram a tal ponto, que foi preciso deitá-lo à margem, onde o realismo o veio achar, comido de lazeira e vermes, e, por compaixão, o transportou para os seus livros."
Como não podia deixar de ser, até para causar verdadeiro impacto, tudo começa pela narração da morte de Brás Cubas e dos poucos dias que antecederam esse momento. Talvez seja este o factor determinante para nos sentirmos compelidos a continuar a ler e descobrir a vida que este homem viveu que levou que o seu leito de morte fosse aquele e não outro. E, sobretudo, a entender quem realmente é Virgília e que papel teve na vida de Brás Cubas.
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Esta mulher misteriosa surge no seu leito de morte, logo no início do livro, acompanhada pelo filho, por quem Brás Cubas logo revela não nutrir simpatia, e deixa-nos perceber da importância que esta mulher teve na sua vida e que existe um passado intenso que partilharam e que a leva a visitá-lo naquele momento doloroso. Como acompanhamos a infância de filho mimado e a adolescência rebelde e de descoberta, ainda demora um pouco até a conhecermos e entendermos a ligação entre os dois. No entanto, essa demora está longe de ser aborrecida porque o que é contado é interessante, engraçado e está repleto de críticas veladas e irónicas, que tornam a leitura um prazer enorme.
"Talvez espante ao leitor a franqueza com que lhe exponho e realço a minha mediocridade; advirta que a franqueza é a primeira virtude de um defunto. (...) Senhores vivos, não há nada tão incomensurável como o desdém dos finados."
Mas que homem era Brás Cubas? Estamos perante um menino nascido numa família que procura mostrar-se mais importante e antiga do que de facto é e cujo pai tinha para ele grandes planos de grandeza, que acreditava que seria este menino adorado que levaria o nome Cubas ainda mais longe e mais alto. Cresce mimado e indisciplinado, até que cresce e se apaixona por uma mulher de vida fácil e com ela gasta o que os pais lhe dão e o que ainda não tinha herdado. Marcela leva-o a cometer as loucuras de amor, que são mais de luxúria do que qualquer outra coisa. No fundo, é um homem que queria ser tudo e acabou por não alcançar nada do que esperavam dele nem o que o próprio almejava para si.
Em suma, foi uma leitura incrível como Machado de Assis me tem vindo a habituar e só posso aconselhar lerem tudo o que este homem escreveu e este livro em particular. Já leste alguma coisa do autor? Qual o teu livro favorito de Machado?
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