Sinopse
Pablo tem 93 anos, viveu a Guerra Civil Espanhola, viveu os campos de refugiados da guerra em França, viveu quatro anos no campo de extermínio nazi de Mauthausen. E depois viveu 75 anos tão feliz quanto possível, entre os campos de Landes, em França, e os da Andaluzia espanhola. Inez tem 37 anos, é médica e vive um casamento e uma carreira de sucesso com Martín, em Madrid, até ao dia em que conhece Paolo, um médico italiano que está mergulhado no olho do furacão do combate a uma doença provocada por um vírus novo e devastador, chegado da China: o SARS-CoV-2. Essa nova doença, transformada numa pandemia sem fim, vai mudar a vida de todos eles, aproximando-os ou afastando-os, e a cada um convocando para enfrentar dilemas éticos a que se julgavam imunes.
Último Olhar marca o aguardado regresso de Miguel Sousa Tavares ao romance. Uma história sem tréguas nem contemplações, onde o passado cruza o presente e o presente interroga o futuro que queremos ter. Da primeira à última página, até decifrarmos o que se esconde atrás do título.
Opinião
Apesar de ser uma figura polémica enquanto comentador, não consigo deixar de admirar o talento imenso de Miguel Sousa Tavares enquanto romancista da actualidade. Tudo o que li do autor, e já li praticamente todos os seus grandes romances publicados, é de uma qualidade extraordinária e revelador do imenso trabalho de pesquisa que foi necessário para criar um contexto histórico realista e credível, sem esquecer as personagens incríveis que conseguiu criar. Portanto, podes imaginar que sempre que pego num novo livro de Sousa Tavares, as expectativas estão muito altas.
Não me sinto de todo defraudada, embora não me tenha sentido arrebatada nem com uma vontade compulsiva de ler capítulo atrás de capítulo, como aconteceu com livros anteriores. Talvez porque os dois grandes temas deste livro estejam demasiado presentes na vida e na literatura. Na vida, o Covid que ainda se encontra na sociedade e continua a ser um problema - embora com menos protagonismo nas notícias. Na literatura, a perseguição aos judeus feita pela Alemanha de Hitler antes e durante a II Guerra Mundial. A impressão com que fiquei é que o autor pretendeu fazer um paralelo entre os dois acontecimentos, como se quisesse comparar a desumanidade que resultou em duas épocas tão distantes.
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Parece estranho e até absurdo à primeira vista, mas, se pensarmos bem, faz todo o sentido. Não pelos acontecimentos em si, pois um foi causado pela loucura de um homem que quis impor a sua visão do mundo aos outros, e o actual provocado por um vírus misterioso que se espalhou como nunca antes visto no mundo globalizado onde vivemos. Mas pelas reacções das pessoas que viveram a época. A indiferença pela desgraça dos nossos semelhantes, a recusa de ver o que está debaixo do nosso nariz, a desumanização na hora de escolher entre quem vive e quem morre, o isolamento em que são deixadas as pessoas que apenas aguardam a morte sem quaisquer cuidados de saúde.
"Mas, apesar de tudo, a vingança dos espezinhados é quase sempre mais complacente do que a barbárie dos seus carrascos. Talvez porque o primeiro desejo de quem sobrevive não seja o de querer matar por igual. Ou porque o sobrevivente ainda não acredite que pode vingar-se impunemente e trate ainda, e só, de gozar o facto de ter sobrevivido."
Em Último Olhar, ficamos a conhecer uma médica muito bonita, bem sucedida, aparentemente bem casada, mas que vive um romance apaixonado e inebriante com um médico italiano de quem é amante durante três anos. Ao mesmo tempo, somos apresentados a um velho espanhol, que vive hoje num asilo de idosos, porque já não tem condições físicas e psicológicas para viver sozinho. Pablo, é o nome deste velho com mais de noventa anos, teve uma vida difícil e repleta de acontecimentos negros, tendo sobrevivido à Guerra Civil Espanhola e também a um campo de concentração Nazi.
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As suas vidas não poderiam ter sido mais distintas. Estão separados pelas diferenças de idade, de género, de estilo de vida, de vivências, até pela forma como pensavam e como viveram o amor. No entanto, no final da vida de Pablo, o seu caminho cruza-se com a bonita médica, que se propõe a ajudar e dar apoio aos idosos que vivem no mesmo lugar que ele, quando nenhum médico se quer aproximar desses sítios, onde apenas a morte é convidada. É um relato cru, duro, difícil de digerir, tanto na época passada no século XX, como quando são relatados os eventos deste vírus que nos assombrou nos últimos anos.
"É estranho que eu, que vivo sozinho há uns cinquenta anos, que nunca me importei ou tive medo de viver sozinho, agora estou com um medo estúpido, um desconforto, de morrer sozinho."
Inicialmente, fiquei com a sensação que não fazia sentido misturar os dois temas, mas depois entendi o paralelo, e acredito, sinceramente, que este será, no futuro, um livro importante para contar o que aconteceu durante estes anos de pandemia, uma prova de que a literatura continua a revelar e representar os acontecimentos mais importantes e marcantes da época em que os autores vivem. O brilhantismo que Miguel Sousa Tavares já nos habituou para retratar momentos históricos do passado, foi posto à prova agora que se propôs a contar sobre acontecimentos recentes.
Este é um livro que todos os fãs do autor vão gostar, mas acredito que mesmo os que nunca leram nada dele ficarão rendidos ao seu talento. Na minha opinião, não considero que seja o título ideal para quem quer começar e conhecer o trabalho de Sousa Tavares, mas vale muito a pena que lhe dês uma oportunidade e fiques a saber mais sobre esta época conturbada, porque mesmo quem os viveu certamente descobrirá coisas novas. Já leste Último Olhar? O que achaste do novo livro do autor? Conta-me tudo nos comentários!
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