Sinopse
Com o romance A Madona (1968), Natália Correia, anteriormente desvinculada de qualquer grupo literário, situa-se nas proximidades da vanguarda surrealista. Caracterizada por uma prosa harmoniosa e pessoal, a narrativa revela a resoluta imaginação da autora, a sua paixão pela beleza dos mitos helénicos e a intensa espiritualidade que, de uma perspectiva mística laica, impregna toda a sua obra. A influência "mágica" do surrealismo implicará uma conjunção de erotismo feminino e amor capaz de recuperar dimensões poderosas e reveladoras, que se materializam na figura da "Mátria".
No romance, que não deixa de ser combativo e idealista, também existe uma extraordinária meditação individual e é evidente a presença da memória, a angústia, o pesar e a alegria de viver. Com este livro, Natália Correia alcançou pela primeira vez uma relativa popularidade, sem dúvida merecida para uma escritora que hoje é uma referência ideológica e artística, e que soube combinar a mais elevada literatura com postulados feministas e progressistas.
Opinião
A Madona, obra lançada em 1968 pela escritora açoriana Natália Correia, destaca-se como um marco na literatura da época, apresentando uma narrativa intensamente poética e provocadora, que mergulha o leitor num universo repleto de simbolismos e questões sociais e culturais. Contextualizada no período da ditadura no Portugal de Salazar, a obra desafia as convenções sociais e aborda temáticas como a sexualidade feminina, a repressão e a liberdade individual. Com uma linguagem poética e uma escrita visceral, Natália Correia revela-se uma autora à frente do seu tempo, que ousou explorar tabus e quebrou paradigmas literários numa época conservadora.
Apresentando um enredo complexo e envolvente, com vários saltos temporais entre passado e presente, e que se passa em locais totalmente opostos, a cosmopolita Paris, e uma terra pequena portuguesa perto da montanha, com uma forte componente rural, permeada por personagens carregados de emoções intensas. A trama gira em torno de Branca, uma jovem mulher de singular beleza e sensualidade, cuja vida é marcada pela busca incessante de liberdade e paixão. Ao explorar temas como política, arte e espiritualidade, Natália Correia conduz o leitor por um caminho intrincado de amor e desilusões, revelando a luta constante da protagonista em ser ela mesma, num mundo opressor e conservador, incentivada por uma mãe que não desejava que a sua filha tivesse uma vida semelhante à sua.
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Este é um livro desafiante e, de certa forma, difícil de acompanhar. Não é uma leitura leve, que podemos ir lendo, sem lhe dedicar toda a atenção, pois poderá não permitir que seja entendida a narrativa e todos os desdobramentos, nem compreendidos todos os temas explorados de forma brilhante pela autora e que têm o propósito de provocar e de fazer pensar os leitores em assuntos como a identidade e a liberdade feminina, imperativos na época da publicação e que continuam actuais nos dias de hoje. A autora explora as diferentes facetas da mulher e as lutas enfrentadas por elas para se libertarem das amarras sociais e culturais impostas pela sociedade patriarcal. Assim, ao longo das quase duzentas páginas, Natália Correia retrata personagens femininas fortes e empoderadas, que buscam a sua emancipação e autenticidade, enfrentando tabus, preconceitos e desafios constantes.
"O espírito é um brinquedo que a natureza deu aos homens para eles brincarem aos deuses."
Através de diálogos instigantes, a autora questiona as normas sociais que aprisionam as mulheres, destacando a importância - e a dificuldade - de quebrar as correntes e reivindicar os seus espaços de liberdade e de expressão. O livro A Madona tornou-se numa obra atemporal que oferece uma reflexão profunda sobre a identidade e a liberdade feminina, despertando consciências para a necessidade de igualdade e justiça de género. A escrita sofisticada e poética de Natália Correia fica aqui evidente, com o uso de um estilo rebuscado e cuidadosamente construído, repleto de metáforas e imagens poéticas, que conferem uma atmosfera densa e misteriosa à narrativa. A profundidade das suas descrições e a sensibilidade com que aborda temas como amor, sexualidade e religiosidade, revelam a habilidade notável da escritora em explorar a linguagem de forma única e envolvente. Deste modo, a autora presenteia-nos com uma escrita exuberante, capaz de transportar o leitor para um mundo de emoções intensas e questionamentos existenciais.
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Outro dos aspectos fascinantes desta obra é a profundidade e complexidade psicológica das personagens que nos obrigam a reflectir, por vezes, em assuntos pouco frequentes. Ao longo da narrativa somos apresentados a figuras intrigantes e intensas, como a protagonista Branca ou o seu namorado Miguel, cujas personalidades vão além da superfície. A autora explora com maestria os intrincados labirintos da mente humana, desvendando as motivações, as contradições e as angústias que permeiam as suas acções. A riqueza psicológica das personagens e os seus conflitos interiores são uma das principais características deste romance e um dos motivos que torna a sua leitura tão especial. Depois, temos a discussão sobre a sensualidade e o desejo como elementos libertadores, tão intensa quanto provocadora. Apesar de apresentar a sensualidade como uma força vital e transformadora, capaz de romper com as amarras sociais e despertar a consciência dos personagens, tornando-os mais livres e autênticos, ainda assim existe uma necessidade de regressar às origens com a chegada do entendimento de que, quando forçadas, as decisões libertadoras podem ser novas prisões.
"O pranto das mulheres, ora confuso e longínquo como um choro ensopado no fundo de um poço, ora espumando como o leque da música de um órgão a abrir-se numa catedral, é o espasmo de um coração sangrando no peito nu da noite."
A Madona causou um impacto significativo na literatura portuguesa da época. Ao abordar temáticas consideradas tabu para a sociedade conservadora da ditadura, o livro rompeu com os paradigmas estabelecidos. Além disso, a linguagem poética e provocadora utilizada pela autora contribuiu para uma verdadeira revolução estética na literatura portuguesa. Por incrível que possa parecer, mesmo passados mais de cinquenta anos desde a sua publicação, ainda nos deparamos com situações e desafios semelhantes, num mundo onde as mulheres são constantemente cerceadas e julgadas pela sua aparência, pelas suas atitudes e pelas suas escolhas. Portanto, com a sua prosa visceral e provocativa, a autora apresenta questões ainda actuais como o machismo, a opressão feminina e a luta pela liberdade individual.
Agarrei neste livro em Setembro por causa da comemoração do centenário de Natália Correia e também porque se encontra no Guia para 50 Personagens da Ficção Portuguesa, uma espécie de projecto de leitura que iniciei recentemente e para o qual te convido a juntares-te e descobrir grandes obras nacionais e os seus melhores personagens. Em A Madona, despindo-se de tabus e convenções, Natália Correia revela-nos uma visão crítica sobre a sociedade e uma reflexão profunda sobre o papel da mulher na contemporaneidade, o que torna esta leitura interessante, desafiante e muito enriquecedora. Se gostas de desafios intensos e transformadores, tens de descobrir este romance da grande Natália Correia e mergulhar nas suas complexas reflexões. Já conhecias este romance? O que já leste da autora? Deixa o teu comentário abaixo, com as tuas opiniões, reflexões e até outras sugestões literárias e vamos enriquecer esta discussão e explorar juntos as camadas profundas deste romance atemporal!
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