Sinopse
Quando Adriana ganha finalmente coragem para sair de casa com o filho de cinco anos, pondo fim ao casamento com Alessandro, mal pode imaginar que o marido, incapaz de aceitar o divórcio, tudo fará para a destruir - nem que para isso tenha de destruir o próprio filho.
Apneia é uma viagem ao mundo sórdido da violência conjugal e parental, através de um labirinto negro em que os limites da resistência psicológica são postos à prova, ameaçando desabar a qualquer instante, e dos meandros tortuosos de uma Justiça por vezes incompreensível, desumana e desfasada da realidade.
Escrito com uma sobriedade e frieza inquietantes, Apneia é um romance intenso, absorvente e perturbador, que ilustra com uma autenticidade desarmante o estado de guerra em que vivem milhares de famílias estilhaçadas, e com o qual, inevitavelmente, muitos leitores se vão identificar, encontrando nestas páginas ecos da sua própria experiência.
Opinião
O nome desta autora, Tânia Ganho, anda nas bocas do mundo literário e tem despertado a minha curiosidade desde que comecei a ouvir falar dela e dos seus livros. Por norma, fugo destes picos mediáticos, porque, às vezes, não correspondem às expectativas que criam e assim evito decepções. No entanto, alegra-me que se fale mais de autoras portuguesas e, ainda que fosse um calhamaço, não resisti a dar uma chance ao seu livro mais famoso, sobretudo quando o vi como livro do dia na Feira do Livro de Lisboa. Comprado em Junho, terminado e com opinião publicada em Setembro, para um livro com quase setecentas páginas, não está nada mal, não achas?
Apneia mergulha nas profundezas da experiência humana ao explorar temas como a ansiedade, a solidão, divórcios litigiosos com a luta inerente pela guarda das crianças, alienação parental e as várias formas de violência doméstica. Com a sua prosa sensível e introspectiva, a autora leva-nos por uma reflexão sobre os comportamentos humanos e as consequências que a violência provoca nas suas vítimas, sejam adultos ou crianças. A história gira em torno de Adriana, uma mulher recém divorciada, que descobre o quanto estava enganada sobre o homem com quem decidiu casar e que se tornou no pai do seu filho, culpa que carrega por ter associado esta pessoa à vida do menino de cinco anos, quando o deveria ter salvo deste pai perigoso. Curioso como as vítimas sempre se sentem culpadas, tendo de atravessar um longo caminho para entender e aceitar que a culpa pertence ao agressor, sempre.
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À medida que os anos passam, o filho cresce, a luta pela sua guarda continua em tribunal, e Adriana vai enfrentando desafios emocionais que a levam refletir e questionar a sua identidade, as suas escolhas e o impacto delas na sua vida e na do filho. Existem mais personagens, mas o foco está no trio composto por Adriana, o ex-marido Alessandro e o filho que cresce neste ambiente tóxico, desde os cinco anos de idade. Adriana é portuguesa, Alessandro é italiano e conhecem-se quando vivem noutros países, por motivos profissionais. Também por causa do trabalho de Alessandro, as mudanças de cenário ocorrem com frequência, embora acabem por se fixar em Portugal a dada altura, onde o casamento se desmorona e o verdadeiro inferno começa. Porque nada do que viveu a poderia ter preparado para o que se seguiria a ter saído de casa.
"O tribunal impusera uma partilha equitativa do tempo entre pai e mãe, mas não tinha poderes para impor uma partilha equitativa do respeito entre esses mesmos pai e mãe. Era irrecuperável, o respeito; deixava um vazio impossível de preencher."
Tânia Ganho mergulha de forma profunda e perturbadora nos conflitos emocionais e psicológicos que permeiam a vida destes personagens e que nos permitem vislumbrar o que acontece naquilo que hoje se chamam as relações tóxicas. A protagonista vive o conflito com o pai do seu filho, com quem tem guarda partilhada, numa base de uma semana em casa de cada um, sendo ameaçada constantemente com a perda do seu filho, ao mesmo tempo que sabe que precisa ser a base sólida e estável que o filho encontra ao voltar despedaçado a cada semana de ausência. Enquanto que, da sua parte, procura nunca falar mal do pai do filho à frente dele, o pai tem a postura oposta, minando a mente do filho com constantes críticas à mãe e plantando memórias falsas na criança que lhe dão a imagem duma mãe negligente e assustadora. Esta relação instável e doentia arrasta-se por longos anos, impedindo um crescimento saudável desta criança e roubando-lhe a infância segura que deveria ter tido, que era seu direito.
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Nesta minha estreia com a autora, fica evidente o seu estilo de escrita marcante e envolvente, que se destaca pela fluidez e pela profundidade emocional. Utiliza uma linguagem poética, rica em metáforas, como o próprio título dado ao livro, e de imagens vívidas, que permite ao leitor mergulhar e perturbar-se com as experiências vividas pelos personagens. A sua prosa, ao mesmo tempo lírica e precisa, cria uma atmosfera de reflexão e que perturba o leitor, como se ficássemos presos nos dilemas morais e éticos que a protagonista vive por tantos anos. A maioria dos capítulos são curtos e existe uma alternância entre passado e presente que, para um leitor mais desatento, pode provocar confusão. Mas como a leitura torna-se compulsiva, isso acaba por ser entendido mais facilmente à medida que entramos na história e avançamos na sua leitura.
"O trauma é um ruído com que as vítimas vivem de manhã à noite, o ruído da violência sempre presente, ao acordar, ao deitar, e pelo meio, a tentativa de ser normal. A normalidade ansiada e que, a cada momento de insegurança ou frustração, se percebe que está longe de ser uma realidade."
Quem estiver ainda a lidar com traumas relacionados com violência doméstica e pais abusivos, esta não deve ser uma opção, pelo menos por enquanto. É perturbador, intrusivo, revela os bastidores das relações, aquilo que não é visível aos de fora, que só conseguem ver a fachada que os abusadores querem transmitir. Os momentos em tribunal são assustadores, pela forma como a Justiça é cega aos verdadeiros interesses da criança, vendo apenas as aparências e os seus preconceitos machistas, dando muito crédito a tudo o que é dito pelo pai, e ignorando toda e qualquer acusação da mãe, rotulando-a de histérica e interesseira. Na senda de seguir o politicamente correcto, é instituída uma guarda partilhada que parece só perturbar a estabilidade da criança, enquanto vemos todos os mecanismos de análise do comportamento do menino serem cobardes, sem se atrever a procurar o cerne da questão e dessa forma salvar o rapaz das violências que só são descobertas e reveladas muitos anos depois. Poderíamos pensar que é um livro de ficção, mas claramente que espelha a realidade de muita gente que se vê desprotegida pela Polícia e pelos Tribunais.
Estamos perante uma obra que transcende as barreiras da ficção e nos convida a entrar num mundo que, felizmente, a maioria de nós desconhece. A sensibilidade e eloquência de Tânia Ganho conquistaram-me e, embora o livro pudesse ter menos umas duzentas páginas, compreendo que elas são necessárias para criar a atmosfera e nos fazer entrar, de facto, na vida de Adriana e nos seus dramas secretos. Acho que as palavras não fazem justiça ao quanto este livro é especial e o quanto fica conosco, leitor, mesmo depois de terminada a leitura. É, certamente, das melhores leituras contemporâneas de que me lembro e tenho a certeza de que vou ler muito mais desta autora que agora está no meu radar. Portanto, se gostas de narrativas introspectivas, com temas actuais, sem medo de perturbar o leitor, tens aqui o livro certo para ti.
Agora, quero saber a tua opinião sobre este livro tão aclamado nos últimos tempos. Já leste Apneia? O que sentiste com esta leitura? Conseguiste sentir a realidade na narrativa? Qual o momento que mais te impactou? Que outros livros da autora já leste e recomendas? Conta-me tudo nos comentários abaixo!
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