Sinopse
Depois de séculos sendo odiada pela humanidade, a morte resolve pendurar o chapéu e abandonar o ofício. O acontecimento incomum, que a princípio parece uma benção, logo expõe as intrincadas relações entre Igreja, Estado e a vida quotidiana.
"Não há nada no mundo mais nu que um esqueleto", escreve José Saramago diante da representação tradicional da morte. Só mesmo um grande romancista para desnudar ainda mais a terrível figura.
Apesar da fatalidade, a morte também tem os seus caprichos. E foi nela que o primeiro escritor de língua portuguesa a receber o Prémio Nobel da Literatura buscou o material para o seu novo romance, As Intermitências da Morte. Cansada de ser detestada pela humanidade, a ossuda resolve suspender as suas actividades. De repente, num certo país fabuloso, as pessoas simplesmente param de morrer. E o que no início provoca um verdadeiro clamor patriótico, logo se revela um grave problema.
Idosos e doentes agonizam nos seus leitos sem poder "passar desta para melhor". Os empresários das funerárias vêem-se "brutalmente desprovidos da sua matéria-prima". Hospitais e lares de terceira idade enfrentam uma superlotação crónica, que não pára de aumentar. O negócio das companhias de seguros entra em crise. O primeiro-ministro não sabe o que fazer, enquanto o cardeal se desconsola, porque "sem morte não há ressurreição, e sem ressurreição não há igreja".
Um por um, ficam expostos os vínculos que ligam o Estado, as religiões e o quotidiano à mortalidade comum de todos os cidadãos. Mas, na sua intermitência, a morte pode a qualquer momento retomar os afazeres de sempre. Então, o que vai ser da nação já habituada ao caos da vida eterna?
Ao fim ao cabo, a própria morte é o personagem principal desta "ainda que certa, inverídica história sobre as intermitências da morte". É o que basta para Saramago, misturando o bom humor e a amargura, tratar da vida e da condição humana.
Opinião
É chegada a hora de falar sobre o Saramago do ano. Desde 2018 que todos os anos leio um novo livro do nosso Nobel da Literatura e tem sido uma aventura incrível, além de ser difícil não devorar todos os que tenho na estante à espera, de tão bom que é ler cada novo livro. Por outro lado, tendo em conta que o perdemos e não serão lançados livros inéditos a toda a hora, é uma forma de me deleitar com cada livro com a certeza da sua unicidade e fazer render a obra existente pelos anos de leitora que ainda me restam viver e que espero serem muitos.
Como estava a dizer, tudo começou em 2018 quando li A Jangada de Pedra e relembrei o talento inacreditável de José Saramago. Em 2021, vamos falar sobre o famoso As Intermitências da Morte que meio mundo fala e o outro meio quer falar. Como o nome indica, a morte, com minúscula, de um dia para o outro, deixa de trabalhar. E isso quer dizer exactamente o que? Que deixou de se morrer neste país, da noite para o dia. Os idosos, os doentes em estado terminal, as vítimas dos piores acidentes, simplesmente não morreram mais.
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O que parecia uma coisa espectacular, revelou-se trágica. Depois da euforia inicial, rapidamente começaram a identificar as consequências mais profundas da ausência da morte. Os primeiros a perceber a gravidade da situação foram os políticos e a Igreja, ou não fosse esta última uma instituição com dois mil anos de experiência e que está assente na premissa de que todos vamos morrer e iremos para o Céu ou para o Inferno.
"Sem morte, ouça-me bem, senhor primeiro-ministro, sem morte não há ressurreição, e sem ressurreição não há igreja."
É neste ponto que tudo começa e que vamos acompanhando as reacções em cadeia de vários quadrantes da sociedade. As funerárias, que deixaram de ter clientes; os hospitais, que se encontram lotados de pacientes em estado terminal e que não falecem; as seguradoras tiveram de se reinventar de forma a potenciar os seus lucros. Até que o foco recai numa família humilde e simples, que se viu a braços com um idoso muito idoso que estava preso à vida por um fio que provocava mais dor a si e aos demais, e uma criança que também não tinha saúde para crescer se a morte estivesse a cumprir a sua função.
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Entretanto, a morte faz um comunicado onde justifica a sua ausência e anuncia o seu regresso. Desse modo, novamente da noite para o dia, tudo regressa à normalidade e as pessoas voltam a morrer. É neste ponto que o enredo se adensa e passamos a acompanhar de perto a própria morte e o seu método de trabalho. Com todos os clichés que se possam imaginar, desde a figura encapuzada ao cajado, é delicioso acompanhar a recta final, bem como o final que é só espectacular!
"Porque cada um de vós tem a sua própria morte, transporta-a consigo num lugar secreto desde que nasceu, ela pertence-te, tu pertences-lhe."
Se pensas que te contei o livro, posso já adiantar-te que fiz um micro resumo e que muito mais existe nestas páginas, e nem te falei do melhor, para não dar spoilers. Se és dos que tem medo de ler Saramago pelo que se diz da sua forma de escrever, descontrai e pega no teu exemplar. Podes ter alguma dificuldade nas primeiras páginas se for o teu primeiro livro do autor, mas depois de entrares no ritmo a leitura vai fluir. No entanto, se ainda precisas de incentivo para tirares este livro da estante, vê o vídeo da Tatiana Feltrin.
Já leste José Saramago? Qual o teu livro favorito do autor?
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