Sinopse
A grande personagem deste romance não tem vida: é o corpo morto de Eva Perón. Mas Santa Evita, um dos maiores clássicos da literatura em língua espanhola, é também sobre Eva Perón viva, sobre o país que a adorou ou odiou e sobre as imensas contradições da alma humana. «A magia dos bons romnaces suborna os seus leitores, fá-los comer gato por lebre e corrompe-os ao seu capricho. Confesso que esta o conseguiu comigo, que sou perito velho no que se refere a não sucumbir facilmente às armadilhas da ficção. Santa Evita venceu-me desde a primeira página e acreditei, emocionei-me, sofri, tive prazer e, no decurso da leitura, contraí terríveis vícios e atraiçoei os meus mais caros princípios liberais.
Eu, que detesto com toda a minha alma os ditadores e os homens fortes e, ainda mais do que eles, os seus séquitos e as bovinas multidões que encandeiam, dei subitamente por mim desejando que Evita ressuscitasse e regressasse à Casa Rosada a fazer a revolução peronista. Quando uma ficção é capaz de induzir um mortal de firmes princípios e austeros costumes a estes excessos, não há a menor dúvida: deve ser proibida ou lida sem perda de tempo.» Do Prefácio de Mario Vargas Llosa
Opinião
Santa Evita é uma obra que mergulha na fascinante e enigmática história de Eva Perón, uma das figuras mais emblemáticas da política argentina. Com uma narrativa envolvente e de grande profundidade, o livro explora os mitos, a memória e as complexidades da personagem que marcou uma era. Tomás Eloy Martinez, famoso jornalista e escritor argentino, é conhecido pela sua habilidade para combinar rigor jornalístico com uma prosa fluente, tendo produzido obras que exploram aspectos históricos e sociais da América Latina. A sua escrita combina pesquisa minuciosa e sensibilidade, tornando esta leitura emocionante e provocando reflexões sobre a figura e a mulher que foi Eva Perón e sobre o seu legado, que perdura até hoje.
Eva Perón, conhecida como Evita, nasceu em 1919, na região de Los Toldos, ela ascendeu de origem humilde para se tornar a primeira-dama da Argentina ao casar-se com o que seria presidente, Juan Domingo Perón, em 1945. A sua influência estendeu-se para além do âmbito familiar, consolidando-se como símbolo do peronismo, um movimento político que procurava promover a justiça social, os direitos trabalhistas e a inclusão dos pobres na política do país. Evita utilizou a sua popularidade para defender os direitos das classes mais desfavorecidas, ao mesmo tempo que enfrentava forte oposição de setores conservadores e das elites tradicionais. A sua morte em 1952, vítima de cancro, marcou o início da lenda que ainda reverbera na História argentina, sendo vista tanto como uma líder popular quanto uma figura emblemática de resistência e transformação social.
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Narrativa ficcional, retrata os eventos após a morte de Eva Perón, com especial destaque para o controverso destino do seu corpo, que foi exumado, desaparecido e manipulado ao longo dos anos, tornando-se símbolo de poder e mistério. Ao mesmo tempo, ao longo dos capítulos, explora também a origem humilde da jovem Evita, a sua carreira como actriz, a sua ascensão ao poder e a relação com o marido. Para cada resposta encontrada sobre o seu passado, parecem surgir uma mão cheia de perguntas novas, aparentemente impossíveis de esclarecer. A alternância entre passado e presente, acompanhando em paralelo a trajetória da Evita viva e da Evita morta, contribui para construir uma narrativa rica, complexa e multifacetada, que nos prende com curiosidade e fascínio às suas páginas, enquanto aprofunda a compreensão do fenómeno Evita na cultura argentina.
"Perón deixou-me ser tudo aquilo que quis. Eu teimava e dizia, quero isto, Juan, quero aquilo, e ele nunca me negou nada. Pude ocupar todo o espaço que me apeteceu. Não ocupei mais porque não tive tempo. Adoeci de tanto me esforçar."
Ficamos a perceber como a imagem de Evita transcende a sua pessoa, tornando-se um motivo de fervor popular e símbolo político que influencia as estruturas sociais e políticas do país. O autor explora de forma magistral a construção da imagem pública e o processo de mitificação em torno de Eva Perón. O romance revela como a figura de Evita foi cuidadosamente moldada pelos meios de comunicação, pelo poder político e pela própria narrativa oficial, transformando-a numa heroína quase mítica que transcende a sua existência real. A obra destaca os motivos centrais de idealização, sacrifício e manipulação, onde evidencia como esses elementos contribuíram para a criação da lenda que perdura na memória coletiva argentina. Tanto a mulher quanto o seu cadáver incorporaram o mito que alimenta as massas e esta leitura conduz-nos numa viagem perturbadora, empolgante, misteriosa e viciante, porque, quando termina, estava capaz de ler ainda mais e mais e mais sobre esta figura.
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O estilo de Martinez é marcado por uma narrativa empolgante e detalhada, que combina elementos do jornalismo e da ficção para criar uma leitura vibrante. A sua escrita é pontuada por uma linguagem rebuscada e elegante, capaz de transmitir emoções intensas, enquanto constrói uma atmosfera de mistério sobre temas políticos, identitários e até históricos. Com uma prosa que mistura realismo e fantasia, criou uma obra que é ao mesmo tempo uma biografia imaginada e uma reflexão sobre a memória coletiva. Evita, entre a santidade e o absurdo, entre metáforas que parecem ecos duma Argentina em crise e um humor irónico que revela as contradições dum país obsessivamente devoto da sua própria lenda, surge como um espelho distorcido das nossas próprias fantasias e desilusões. Transportando-nos para os intricados bastidores da Argentina do século XX, é recriada a trajetória de Eva Perón, cujo corpo, após a sua morte, se torna numa peça de poder e fascínio.
"Agora é um corpo demasiado grande, maior do que o país. Está excessivamente cheio de coisas. Todos nós lhe fomos metendo qualquer coisa dentro: a merda, o ódio, a vontade de matá-la de novo. E como diz o Coronel, há gente que também lá meteu o seu pranto. Esse corpo é como uma metralhadora carregada."
Cada capítulo revela uma combinação de factos reais, rumores e imaginação, criando uma atmosfera que nos prende da primeira à última página, repleta de mistério e paixão. A profundidade dos personagens também é algo a destacar e que muito enriquece a trama e que permite que ela se torne credível, mesmo nos momentos mais inusitados. A própria Evita é retratada com uma complexidade que vai muito além do mito, revelando as suas emoções, ambições e vulnerabilidades. Os homens que a cercam, tanto em vida quanto na morte, também são descritos com nuances que revelam as suas motivações e conflitos internos. Pessoalmente, a minha obsessão com este livro começou quando vi a série Santa Evita, e só descansei quando ele chegou à minha estante. Levei-o comigo nas primeiras férias que fiz, e logo ali, numa esplanada em Elvas, percebi que estava perante uma obra extraordinária e que tenho a certeza que constará nos favoritos de 2025. É um mergulho no absurdo, que se torna real, com uma linguagem elaborada, que contrasta com a morbidade do que retrata e que nos transporta para uma Argentina que talvez ainda exista no seu povo.
Só posso dizer que fiquei rendida ao livro e ao autor e deixou-me muito curiosidade para ler mais de Tomás Eloy Martinez. Agora, quero muito saber a tua opinião! Já conhecias Santa Evita? Que momento ou personagem mais despertou o teu interesse? O que sentiste com este enredo fantástico? Conta-me tudo nos comentários!
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