Sinopse
A acção tem início no Rio de Janeiro, durante a década de 1970, quando Brasil vivia o auge da repressão através das políticas do general Emílio Garrastazu Médici (1905-1985), 28.º Presidente do Brasil e terceiro do período da ditadura militar. Neste contexto, seguimos Eunice Paiva na sua busca pelo marido, Rubens Paiva, um deputado progressista levado pelos militares, em Janeiro de 1971, e dado como desaparecido pelas autoridades. Forçada a criar sozinha os cinco filhos de ambos, Eunice inicia uma longa luta para provar o assassinato de Rubens e o de tantos outros brasileiros que tiveram a coragem de se insurgir contra as injustiças de um regime implacável com todos os dissidentes.
Com realização de Walter Salles, este drama biográfico foi escrito por Murilo Hauser e Heitor Lorega. O argumento parte da biografia homónima escrita por Marcelo Rubens Beyrodt Paiva, filho de Rubens Paiva (1929-1971), uma das vítimas dos 21 anos de ditadura militar instaurada no Brasil desde Abril de 1964 até Março de 1985.
Com a interpretação de Eunice, Fernanda Torres tornou-se a primeira actriz brasileira a ganhar um Globo de Ouro - depois de, 25 anos antes, a sua mãe, Fernanda Montenegro (que ainda interpreta a mesma personagem na velhice, já com sinais da doença de Alzheimer), ter sido nomeada com o filme Central do Brasil, também realizado por Salles e vencedor na categoria de melhor filme estrangeiro.
Opinião
Ainda Estou Aqui, realizado por Walter Salles, é uma emocionante adaptação do aclamado livro de Marcelo Rubens Paiva, filho de Rubens Paiva e que decidiu escrever a história do desaparecimento do seu pai e da luta da sua mãe pela verdade. Com interpretações marcantes de Fernanda Torres, que já venceu o Globo de Ouro de Melhor Actriz e que ainda pode vencer o Óscar, e Selton Mello nos papéis principais, o filme tem sido um sucesso tanto da crítica quanto do público e mergulha nas complexidades da memória e da perda. Passado no Brasil que vivia sob a Ditadura Militar, durante os anos mais negros deste regime, o filme explora as nuances emocionais duma família que passa por um drama, que seria muito comum na época, revelando as suas jornadas de sobrevivência e de resiliência.
A narrativa toca em tomas como o luto, a busca por sentido e a conexão entre passado e presente, proporcionando uma reflexão profunda sobre como as experiências vividas moldam a nossa identidade e o modo como continuamos a viver apesar das adversidades. A trama começa por apresentar a família Paiva, junta e unida, na sua casa em frente à praia, sempre cheia de gente, com o casal e os seus cinco filhos, bem como todos os amigos de cada um que sempre apareciam por lá. O ambiente é leve e repleto de modernidade, colorido em contraste com o cinzento do que se passava na sociedade com a repressão militar. A casa, a praia, a música e as conversas são bandeiras da liberdade com que vivem, enquanto se percebem as movimentações de Rubens Paiva, que se mantém como facilitador entre comunistas fugidos e as suas famílias, com alguns amigos e a forma como se posicionam contra o regime, acreditando que a mudança estaria para breve.
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Este contraste permite compreender bem como esta família procurava viver dentro das suas crenças, apesar do que acontecia ao seu redor, que também é retratado de forma subtil, até que os militares, vestidos à civil, entram na sua casa e decidem levar Rubens Paiva para ser interrogado. É esta cena que divide as águas e fragmenta esta família para sempre. Apesar de ser o chefe da família, a cola que os une era providenciada por Eunice, que se agiganta ainda mais e se torna uma figura icónica e representante das vítimas da Ditadura. Mulher forte e determinada, carrega o peso do passado, mas compreende que a vida tem de continuar, que os filhos precisam de ter um futuro e que ela própria precisa encontrar um propósito e uma forma de poder representar a sua luta, pois à sua volta todos parecem resignar-se com os acontecimentos.
O ambiente é marcado pela repressão e pelo medo da ditadura militar brasileira dos anos 70. Nesse contexto sombrio, onde a censura e a vigilância permeavam a vida quotidiana, os personagens encontram-se num cenário de incertezas, de luta pela liberdade e, por fim, pela busca da verdade sobre o crime que foi cometido contra Rubens Paiva. As actuações de todo o elenco são soberbas, mas é preciso destacar o trabalho tanto de Fernanda Torres quanto de Selton Mello, como elementos centrais que elevam a narrativa a um novo patamar emocional. Fernanda, com a sua habilidade ímpar de transmitir vulnerabilidade e força, traz à vida a complexidade de Eunice Paiva, equilibrando momentos de tristeza e esperança com uma subtileza impressionante. A sua interpretação é marcada pelo profundo respeito que ganhou pela sua personagem, que procurou retratar da forma mais verdadeira e que melhor permitisse transmitir a história desta mulher extraordinária.
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Walter Salles volta a mostrar a sua sensibilidade neste filme, com um olhar atento às nuances emocionais dos personagens, e conduzindo o espectador para uma conexão profunda com a jornada desta família, provocando pena, revolta, admiração. Os cenários e a estética visual refletem a atmosfera do enredo, tornando clara a diferença entre a vida naquela casa livre e a vida lá fora, num país oprimido. O resultado é uma experiência visual que não só sustenta a narrativa, mas também a eleva, transformando o filme numa poderosa meditação sobre a ausência e a presença na vida. Num mundo onde a efemeridade das experiências nos faz esquecer do que realmente importa, Ainda Estou Aqui destaca-se como uma bandeira de esperança e renovação, e relembra-nos que lutar pelo que se acredita vale sempre a pena, mesmo que as respostas cheguem passados muitos e longos anos. O sucesso nas salas de cinema e com todos os prémios que tem recebido é a prova de que ainda há esperança, não achas?
No fundo, a obra instiga-nos a valorizar cada momento, a reconhecer a beleza nas pequenas coisas e a perpetuar a memória dos que amamos, enquanto toca profundamente a fragilidade das relações humanas. Para mim, a actuação da Fernanda Torres é um dos pontos altos do filme, sobretudo as cenas no interrogatório e depois quando volta para casa depois dessa experiência traumática. No fim, os momentos em que Fernanda Montenegro aparece são esmagadores, mostrando como se pode actuar sem dizer uma única palavra e, ainda assim, passar todas as emoções só com o olhar. Assim, Ainda Estou Aqui é uma experiência cinematográfica que toca aqueles que apreciam narrativas sensíveis e introspectivas, que retratam factos reais e que nunca deviam ser esquecidos, para que nunca se voltem a repetir. Felizmente, está a ser visto como poucas vezes acontece, portanto, só espero que a sua mensagem chegue longe e toque fundo nas pessoas.
Mas agora quero saber o que tens a dizer sobre Ainda Estou Aqui! Foste ao cinema ver o filme? Que impressões te deixou? Qual o momento que mais te marcou? Ficaste com vontade de ler o livro também? Conta-me tudo nos comentários abaixo!
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