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terça-feira, 28 de outubro de 2025

#Livros - Uma Pequena Vida, de Hanya Yanagihara

 

Retrato de um homem com expressão de dor e sofrimento, com traços marcantes e olhar intenso, refletindo emoções profundas. Fundo escuro que destaca a intensidade da imagem.

Sinopse

Este é um dos mais espantosos, desafiadores, perturbadores e profundamente comoventes romances publicados nas últimas décadas: um épico sobre o amor e a amizade no século XXI, que visita alguns dos lugares mais assustadores onde a ficção já se aventurou; um livro que, desafiando explicações e todas as probabilidades, emerge do lado da luz. 

Quatro colegas de uma pequena universidade do Massachusetts mudam-se para Nova Iorque para começar a vida adulta. Sem dinheiro e em busca de um caminho, contam apenas com as suas ambições e com a amizade que os une. Bonito e generoso, Willem tenta vingar como ator; nascido em Brooklyn, inteligente e mordaz, por vezes cruel, JB quer afirmar-se como pintor na cena artística de Manhattan; Malcolm é um arquiteto frustrado com o seu trabalho num ateliê de renome; e Jude, brilhante, enigmático e fechado, é o centro de gravidade do grupo. 

Ao acompanhar os quatro amigos durante décadas, vemos como as suas relações se aprofundam e ensombram, marcadas pela dependência, pelo êxito e pelo orgulho. Porém, o seu grande desafio, compreenderão eles, é Jude, que se torna um advogado temido pelos seus pares, mas que é um homem cada vez mais destroçado, física e psicologicamente marcado por uma infância inimaginável e perseguido por um passado traumático que teme jamais conseguir ultrapassar. 

Numa escrita resplandecente, magnífica e assombrosa, Hanya Yanagihara compõe um hino trágico e transcendente ao amor fraternal, revela o sofrimento e o desgosto de forma ímpar, e retrata a tirania da memória e dos limites da capacidade humana para resistir. 


Buy Me A Coffee

Opinião 

Antes da leitura de Uma Pequena Vida, as minhas expectativas estavam altas, com muito curiosidade e algum receio, dado o reconhecimento da obra pela sua intensidade emocional e temática profunda. Foi uma das compras na Feira do Livro de Lisboa deste ano, que fui adiando por ser um calhamaço e por causa do referido receio, mas que, desde o início da leitura, ficou claro que esta seria uma experiência profunda e potencialmente angustiante, mas também reveladora, prometendo uma imersão intensa na vida destes personagens e nos seus conflitos mais íntimos. Esta foi a minha estreia com esta autora americana, nascida em 1974 e que se dedica à edição de revistas, ao mesmo tempo em que escreve os seus livros densos. 


Uma Pequena Vida acompanha a vida de quatro amigos que partilham uma profunda conexão enquanto enfrentam desafios pessoais, profissionais e emocionais ao longo de várias décadas. É fundamental destacar os temas centrais que permeiam a narrativa, como a amizade profunda, que serve como alicerce para explorar questões de trauma e sofrimento. O livro também aborda a luta pela identidade, especialmente diante de dores físicas e emocionais, além de refletir sobre a brutalidade e vulnerabilidade humanas. Sem esquecer a culpa e a tentativa de sobrevivência, onde se mostra como estes elementos moldam as vidas dos personagens ao longo do tempo. 


Podes ler também a minha opinião sobre Kingsbridge


A trama foca-se, com mais destaque, no passado traumático de Jude, que molda muito as relações que se estabelecem entre os quatro. Marcado por uma profunda vulnerabilidade, a sua inteligência, sensibilidade e força interior contrastam com as feridas emocionais que carrega. Ao longo da história, Jude passa por um intenso arco de transformação, enfrentando as suas dores, procurando aceitação e compreensão, mesmo quando se recusa a contar o que enfrentou no seu passado, e obcecado por estabelecer um senso de identidade e pertencimento. A sua jornada é marcada por momentos de dor e de esperança, numa evolução silenciosa, mas poderosa. A amizade entre Jude, Willem, JB e Malcolm é marcada por uma profunda lealdade, apoio mútuo e momentos diversos onde são reveladas a força e fragilidades de cada um. 


"Se ter melhores amigos aos 27 anos era considerado fantástico, porque havia de se tornar esquisito aos 37? Em que era uma amizade inferior a um relacionamento de casal? Não lhe seria superior, na verdade?" 


Estas conexões oferecem um refúgio no meio das dificuldades pessoais que enfrentam, demonstrando o poder do vínculo humano em tempos de crise. Além disso, as dinâmicas com familiares e parceiros acrescentam camadas de dor, esperança e conflito, ilustrando as diferentes formas de amor, perda e expectativa que moldam as suas vidas. A verdade é que chega a ser frustrante a forma como as coisas boas que acontecem a Jude não conseguem apagar os traumas do que viveu, nem lhe permitem abandonar os hábitos tóxicos que ganhou ao longo do tempo. Só que à medida que vamos descobrindo tudo o que passou, a sensação é a de que é impossível tanto mal acontecer apenas a uma pessoa, de forma sucessiva desde tão tenra idade. Quando o sucesso chega a todos eles, existe algum distanciamento natural e até conflitos que desgastam a amizade dos quatro, mas os laços que os unem nunca são realmente cortados. 


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O ritmo do livro parece-me deliberado, com passagens que se alongam em detalhes minuciosos, mesmo quando já não desejávamos saber mais sobre os monstros que atormentam Jude. A linguagem utilizada é carregada de sensibilidade, com descrições que revelam tanto a beleza quanto a dor, muitas vezes explorando o interior dos personagens de forma poética e contundente. A autora utiliza saltos temporais de forma subtil, muitas vezes alternando entre diferentes épocas para revelar o passado e o presente dos protagonistas, o que enriquece a compreensão das suas experiências e dores, ainda que requeira uma dose de atenção extra para não nos perdermos. No fundo, esta escolha estilística permite ao leitor vivenciar as emoções e os traumas de maneira mais intensa, criando uma conexão visceral com as experiências de cada personagem. 


"Acreditou que, escondendo quem era, se conseguiria fazer um pouco mais agradável aos olhos dos demais, em lugar de ser uma completa anomalia. Agora, porém, tudo o que não revela apenas o faz ser uma anomalia cada vez mais gritante, alguém que inspira compaixão, e, inclusivamente, desconfiança." 


Um dos aspectos que funciona excepcionalmente bem em Uma Pequena Vida é a sua capacidade de transmitir empatia e uma profundidade psicológica impressionantes. Com uma honestidade brutal, Hanya Yanagihara não evita retratar as emoções mais difíceis e as experiências mais dolorosas, mergulhando de cabeça em cada trauma. Também existe muita discussão acerca do excesso de violência, que por vezes parece excessiva e uma forma de agressão que nos atinge. Além disso, o peso de temas profundos e difíceis, como traumas, abusos e depressão, podem ser considerados sobrecarregados em certos momentos, o que exige uma resistência emocional por parte do leitor. Como tal, se estás a passar por um momento de fragilidade, este não é o livro certo para ti. Acredito que é preciso estar-se bem para mergulhar nestas vidas trágicas sem desejar seguir o mesmo caminho. 


Em suma, estamos perante uma narrativa profunda e comovente, que explora a complexidade das relações humanas, a dor, o amor e a amizade ao longo de várias décadas. Acompanhando a vida de Jude, Willem, JB e Malcolm, revela as suas histórias de crescimento, sucesso, perdas e traumas, numa viagem emocionante e perturbadora, que fica com o leitor muito depois de terminar a leitura. Mas agora quero muito saber a tua opinião! Já leste Uma Pequena Vida? Conheces o trabalho desta autora? De que forma te sentiste impactada com esta leitura? Qual a tua personagem favorita? Conta-me tudo nos comentários! 


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Wook | Bertrand 

quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Verão 2025 - Leituras das Férias

 

Foto de capa: uma toalha de praia estendida com um livro aberto no centro, acompanhado de uma câmera fotográfica ao lado e óculos de sol repousando na borda.

Este Verão já terminou mas trouxe férias, calor e longos dias sem pressa, perfeitos para mergulhar em histórias que me acompanharam nos passeios fora de portas ou no recanto favorito da casa. Entre pausas e passeios pela cidade, a leitura é sempre uma companhia constante, algo que de que não prescindo e que transforma tempo livre em tempo de descoberta. Cada livro escolhido foi pensado como uma janela para outros mundos, mas também como espelho de pensamentos, dúvidas e curiosidades do momento. 


Buy Me A Coffee

Hoje, tal como aconteceu em 2024, quero partilhar um pouco das minhas leituras das férias, o que me agarrou do início ao fim, o que me surpreendeu, e como ficaram marcadas na minha memória. Vou falar das diferentes leituras que explorei e espero que elas te possam inspirar e te permitam encontrar o teu próximo livro perfeito para as tuas próximas férias ou para qualquer outra altura em que o desejo de ler e mergulhar noutros universos desperte. Vens comigo? 


1. Gente Ansiosa 

Este livro foi iniciado ainda antes das férias, mas foi levado comigo nas primeiras férias de 2025 com a intenção de o terminar e descobrir o desfecho desta história tão peculiar. Estava tão curiosa que terminei o que faltava logo na primeira noite, o que significa que foi uma excelente companhia para começar o período de descanso que tanto precisava. Backman nunca desilude e, embora este não seja um dos favoritos, foi muito agradável regressar à sua escrita e ao seu estilo especial de criar personagens marcantes e enredos diferentes. 


Wook | Bertrand


Capa do livro Gente Ansiosa de Fredrik Backman. A imagem apresenta o título e o nome do autor, com elementos visuais

2. Santa Evita 

Este foi o segundo livro das minhas férias, que comecei numa bela esplanada em Elvas. E que leitura, meus amigos. É uma história que me deixou agarrada do princípio ao fim e que, terminada a leitura, só me apetecia começar de novo. Aliás, é um sério candidato a melhor livro do meu ano e que tenho a certeza que estará no Top de 2025. 


Wook | Bertrand 


Capa de Santa Evita, com imagem de Eva Perón em estilo vintage.

3. The Hallmarked Man

Sempre que o pseudónimo de J. K. Rowling lança um novo livro da série de detetives, eu paro tudo e aguardo ansiosamente pelo lançamento. Foi com alegria que percebi que o oitavo volume da série seria lançado este ano e que o comprei com a intenção de o devorar durante as férias de Setembro. E foi precisamente isso que fiz, numa viagem incrível que me deixou já ansiosa pelo próximo. 


Wook | Bertrand 


Capa do livro The Hallmarked Man, de Robert Galbraith. Design sombrio com tons monocromáticos, retrato estilizado de um homem e o título em letras grandes

As férias de 2025 ainda não acabaram totalmente, mas o Verão já lá vai e este balanço de leituras vive entre passeios por lugares novos e o regresso a paragens familiares, sempre com a curiosidade que só as histórias bem contadas conseguem despertar. Ficam comigo as histórias e a certeza de que a leitura é uma companhia constante, mesmo longe de casa. Espero que o teu Verão também te tenha trazido boas leituras com personagens inesquecíveis e narrativas impactantes. Nos próximos capítulos - e nas próximas férias e nos próximos Verões -, pretendo continuar a explorar novos autores, revisitar leituras queridas e registar aqui para que possa partilhar contigo cada nova aventura. 


Agora, quero muito saber sobre as tuas férias e sobre as tuas leituras! Que livros levaste na tua mala de viagem? Costumas levar muitos? Qual foi a leitura mais marcante deste Verão? Conta-me tudo nos comentários abaixo! 

terça-feira, 21 de outubro de 2025

#Livros - Batalha Incerta, de John Steinbeck

 

Foto de capa em preto e branco do livro "Batalha Incerta" (Livros do Brasil): um cesto de maçãs caídas repousa sobre um fundo bege suave, toda a cena em tonalidades monocromáticas, transmitindo um clima rural e sóbrio.

Sinopse

Nos campos de Torgas Valley, na Califórnia, os apanhadores de maçãs estão decididos a pôr fim às práticas gananciosas impostas pelo pequeno grupo de proprietários rurais e a greve é declarada. No meio da insurreição, Jim Nolan, rapaz solitário desesperado por dar um sentido à sua existência, rapidamente se vê à frente das operações. Mas à medida que a luta cresce, a violência impõe-se de um modo implacável e a defesa pelo reconhecimento dos direitos fundamentais dos trabalhadores transforma-se num fanatismo cego, que ameaça esmagar a vida daqueles que se entregaram ao seu serviço. Romance empolgante que é ao mesmo tempo um olhar admirável sobre a agitação social e política e a história comovente de um jovem que procura definir a sua identidade, Batalha Incerta foi um dos primeiros títulos escritos por John Steinbeck, lançado em 1936, e desde logo revelador de alguns dos temas que mais marcariam a sua obra: o comportamento de grupo, a luta de classes, a injustiça social e a falta de solidariedade entre os homens. 


Buy Me A Coffee

Opinião 

A narrativa de Batalha Incerta, segundo livro de Steinbeck, ocorre numa plantação na Califórnia durante a década de 1930, em pleno despontar da Grande Depressão. O foco recai sobre a organização dos trabalhadores rurais e as cordas tensas do confronto entre a base operária e os proprietários das terras. Através da lente dum movimento sindical emergente, Steinbeck investiga as dinâmicas da liderança, solidariedade e conflito, bem como as dificuldades materiais e morais enfrentadas tanto por quem luta pela organização quanto por quem resiste à mobilização. É um retrato contundente das condições de trabalho na agricultura e das tentativas de unir trabalhadores sob uma causa comum frente a interesses empresariais e ambições pessoais. 


Escrito em 1936, apresenta o ambiente de precariedade económica, conflitos entre trabalhadores e patrões, violência e repressão policial, além da mobilização sindical que procurar mudar as condições de trabalho e os salários. Steinbeck insere a narrativa no cenário das lutas trabalhistas nos Estados Unidos, revelando as dinâmicas de solidariedade, medo, convicção ideológica e os dilemas éticos enfrentados pelos protagonistas no enfrentamento com a ordem estabelecida. A desigualdade é o eixo central que dá densidade à migração forçada de trabalhadores rurais, cujas trajetórias mudam conforme as necessidades do mercado e as respostas das autoridades. 


Podes ler também a minha opinião sobre As Vinhas da Ira 


O romance expõe a precariedade económica que empurra indivíduos de diferentes origens a partilharem um destino comum: a batalha por melhores condições de trabalho, salários dignos e sobrevivência. Esta luta não é apenas entre trabalhadores e proprietários, mas entre a visão individualista do lucro e a força coletiva que emerge da organização e da solidariedade. Steinbeck enfatiza que a solidariedade operária não é apenas emocional, mas estratégica. Afinal, a construção de vínculos, a partilha de recursos e a participação em acções conjuntas revelam-se cruciais para a resistência contra a exploração, sugerindo que, em última análise, a dignidade humana depende da capacidade de agir juntos. O autor também desconstrói a ideia de autoridade como veículo de justiça e, ao contrário, apresenta-a como força coerciva que frequentemente mascara interesses económicos e de classe. 


"A casa onde vivíamos estava sempre cheia de ódio. O ódio pairava entre aquelas paredes como fumo. Era o ódio cansado, perverso, contra o patrão, contra o diretor, contra o merceeiro quando cortava o crédito, era um ódio que nos indispunha, que nos revoltava o estômago, mas que não podíamos evitar." 


A fé emerge como combustível inicial, pois os trabalhadores abraçam a causa sindical como uma promessa de dignidade e mudança, alimentando-se de narrativas de solidariedade que lhes conferem sentido e propósito frente às pressões do proprietário e da máquina industrial. O autor não romantiza a violência, mas coloca-a emaranhada com a pobreza, a discriminação e a impotência social, mostrando que a justiça verdadeira raramente se impõe sem custo. Em muitos momentos, a violência funciona como resposta necessária a abusos de poder, mas também expõe as consequências morais do que é descrito como justiça violenta: cicatrizes, desconfiança e perpetuação de ciclos de retaliação. Sublinhando a ambiguidade moral que acompanha a luta de classes, em Batalha Incerta não já heróis inquestionáveis. Cada figura oscila entre idealismo e pragmatismo, entre lealdade aos seus princípios e a tentação de atalhos que prometem resultados imediatos. Steinbeck, ao explorar estas escolhas, revela a complexidade da moralidade, onde o certo e o errado não são absolutos, mas dependem sempre do contexto, das pressões sociais e das consequências para as pessoas envolvidas. 


Podes ler ainda a minha opinião sobre O Som e a Fúria 


Em Batalha Incerta, o autor apresenta os protagonistas através de arquétipos que se entrelaçam ao longo da narrativa. Temos a liderança personificada no jovem organizador, cuja presença inspira a congregação dos trabalhadores e tenta transformar a mobilização numa acção coesa; o medo, que paira como uma força invisível capaz de silenciar vozes ou incitar reações extremas diante da repressão e da violência potencial por parte dos patrões; o idealismo, que move muitos personagens a acreditar na possibilidade de justiça social e dum futuro melhor, mesmo sob condições duras e desumanas. Já os antagonistas são, na verdade, um conjunto de forças que representam o poder económico e a ordem social que sustenta a exploração. As relações entre os personagens são o motor que impulsiona toda a acção, com a solidariedade frágil entre os trabalhadores, as tensões entre líderes voluntários e a distância criada pelas diferenças de origem, fé e experiência. 


"O mal é que os tipos que estudam as pessoas pensam sempre que as multidões são homens, e não são. É uma espécie de animal diferente, tão diferente dos homens como os cães. É formidável quando podemos utilizar uma multidão, mas infelizmente não sabemos o suficiente a seu respeito. Quando alguma coisa a atira para a frente, é capaz de tudo." 


A voz do livro é predominantemente observacional, dado que o texto se apresenta como um relato quase jornalístico dos acontecimentos da greve, descrevendo acções, cenários, gestos e falas com atenção aos detalhes. A história constrói o clímax através duma sequência de encontros intensos e quase ritualizados, como a organização da greve, os encontros secretos, a reação violenta dos proprietários, que deixa os personagens expostos à sua fragilidade. Em suma, a força do livro reside na fusão entre uma intensidade narrativa marcante, uma visão clara do contexto social e personagens que funcionam como portais para a compreensão das forças coletivas em jogo. Um dos aspectos que mais me fascina na obra de Steinbeck é a forma como usa a linguagem, com uma simplicidade que não reduz a complexidade humana. A sua prosa costuma dispor-se em frases enxutas, com cadência firma, que conduzem o leitor passo a passo pela cena, pelo conflito e pela dor. 


Ao longo desta narrativa, Steinbeck expõe a luta entre trabalhadores e proprietários rurais, as ambiguidades da acção coletiva e o custo humano da batalha por justiça, levando a uma conclusão bem amarga sobre a possibilidade de vitória sem sacrifício. É fascinante constatar a maturidade do autor, mesmo numa obra tão inicial da sua carreira, onde não nos poupa emoções nem ambiguidades morais. Mas agora quero muito saber a tua opinião! Já conheces a obra de Steinbeck? Já leste Batalha Incerta? O que achaste desta narrativa? Qual o momento que mais te marcou? Tens algum personagem favorito? Conta-me tudo nos comentários! 


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Wook | Bertrand 

quinta-feira, 16 de outubro de 2025

#Viagens - Igreja de S. João Evangelista, Vila Viçosa

 

Foto de capa: mulher de costas com o tronco fora do carro, segurando um chapéu na cabeça

A Igreja de S. João Evangelista fica em Vila Viçosa, no coração do Alentejo, junto ao património histórico da vila, no topo da Praça da República. Relevante pela sua arquitectura marcante e pela riqueza de obras de arte sacra, é um testemunho importante da história religiosa e do estilo barroco da região e foi um dos monumentos que tive oportunidade de visitar durante a minha viagem por Vila Viçosa e Elvas. Nessa visita ficou claro o peso histórico que esta construção carrega e como se integra perfeitamente no centro histórico, que é dos mais bonitos que já conheci. 


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O período dominante é o Barroco, com a igreja começando a ser construída em 1636, com o patrocínio de D. João IV, o rei restaurador, figura central de toda a localidade, tal como a sua família, antes e depois dele. O edifício desempenha um papel central na memória e na vida quotidiana de Vila Viçosa. Testemunha da religiosidade popular, acolhe rituais, festas e procissões, ao mesmo tempo que se revela como monumento de referência para a memória dos habitantes. Ao longo dos séculos, a igreja esteve ligada à nobreza local e à importância estratégica de Vila Viçosa. Entre 1806 e 1862 serviu de Capela Ducal, ao serviço da família Bragança, e a partir de 1865 torna-se sede da paróquia de S. Bartolomeu, motivo pelo qual também é conhecida por este nome. 


Podes ler também sobre o Paço Ducal de Vila Viçosa 


A vista exterior da Igreja de S. João Evangelista impressiona pela clareza duma planta simples que abriga, no entanto, uma fachada cuidadosamente trabalhada, revestida de mármore local, com três ordens de janelas, sendo flanqueada por duas pesadas torres quadradas sem coruchéus, com campanário de 6 sinos. A planta em cruz latina, com uma nave única com capelas laterais, transepto e ampla capela mor, é organizada para valorizar a entrada principal e a, sobretudo, a visão de quem entra. Na capela mor, destacam-se a abóboda de berço e alçados revestidos de azulejos azuis e brancos, o grande retábulo de talha dourada e o trono e sacrário também de talha dourada. 


Montagem da Igreja de S. João Evangelista em Vila Viçosa: Capela-mor com retábulo dourado e altar, ao lado o Batistério com fonte de mármore.

O coro alto, na entrada da igreja, assenta em três arcos de volta inteira com balaustrada. Nas paredes elevadas do seu interior estão dois quadros que representam a coroação e a Assunção da Virgem. A iluminação natural entra com delicadeza através das janelas altas, criando uma penumbra suave sobre as áreas de altar e sobre as talhas douradas, que refletem a luz e elevam o aspecto solene do espaço. Durante a tua visita à Igreja de S. João Evangelista fica atenta aos elementos artísticos, que revelam bem a riqueza ornamental do espaço. Para quebrar a nudez das paredes laterais do cruzeiro encontras dois grandes quadros pintados a óleo, datados do século XVIII, com cenas bíblicas. As imagens dos santos que encontras nas capelas são de várias épocas, desde o século XVII até ao século XX. O mais antigo retábulo de talha da igreja, ao estilo maneirista, encontra-se na Capela do Santíssimo Sacramento, de fustes revestidos de folhagem miúda, polícroma, friso lobulado e com um medalhão na fronte. 


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A conservação do espaço interior é fruto de restauros que houve ao longo do tempo, quer mais antigo, quer mais recente, onde o respeito pelo estilo tem sido tido em consideração, o que faz com que mantenha o seu apelo litúrgico e estético, bem como turístico. Ao entrar nesta igreja, logo sentimos o silêncio que parece suspender o tempo, como que numa viagem ao passado, se ela nos fosse possível. O espaço, ao mesmo tempo grandioso e íntimo, convida à contemplação e transmite paz e tranquilidade, algo que estamos habituados a sentir num lugar de culto, que permanece vivo na sua comunidade. É muito fácil chegar e encontrar este monumento imponente, pois encontra-se no topo da Praça da República, lugar central, de frente e de onde se pode ver o Castelo de Vila Viçosa ao fundo. O ideal é estacionar no primeiro lugar que encontrares na Praça e seguir a pé e desfrutar da envolvência, das ruas e casas típicas, das esplanadas bem localizadas, e tirar partido das vistas que são lindas para onde quer que olhes. 


Montagem fotográfica das capelas laterais da Igreja de São João Evangelista, em Vila Viçosa: à esquerda a capela do Santíssimo Sacramento e à direita a capela de São José.

Recapitulando, a visita à Igreja de S. João Evangelista revelou uma construção que se destaca pela harmonia entre o charme barroco e uma elegância contida, situada no coração de Vila Viçosa. É um espaço de preservação da memória, que é visível na organização dos ambientes, nas capelas laterais e nos elementos que as compõem e até à vista da fachada imponente. Mas agora quero muito saber a tua opinião! Gostaste da minha passagem pela Igreja de São João Evangelista? Costumas visitar igrejas? Ficaste curiosa sobre Vila Viçosa ou já conheces? Se conheces, que outros lugares recomendas que visite? Conta-me tudo nos comentários abaixo! 

terça-feira, 14 de outubro de 2025

#Livros - Pão de Açúcar, de Afonso Reis Cabral

 

Foto de capa: a cave de um prédio abandonado, com paredes desbastadas e iluminação sombria; ao fundo, um poço e uma bicicleta encostada, tudo em tons desbotados que transmitem desolação urbana.

Sinopse

Em Fevereiro de 2006, os Bombeiros Sapadores do Porto resgataram do poço de um prédio abandonado um corpo com marcas de agressões e nu da cintura para baixo. A vítima, que estava doente e se refugiara naquela cave, fora espancada ao longo de vários dias por um grupo de adolescentes, alguns dos quais tinham apenas doze anos. 

Rafa encontrara o local numa das suas habituais investidas às zonas sujas, e aquela espécie de barraca despertou-lhe imediatamente o interesse. Depois, dividido entre a atracção e a repulsa, perguntou-se se deveria guardar o segredo só para si ou partilhá-lo com os amigos. Mas que valor tem um tesouro que não pode ser mostrado? 

Romance vertiginoso sobre um caso verídico que abalou o País, fascinante incursão nas vidas de uma vítima e dos seus agressores, Pão de Açúcar é uma combinação magistral de factos e ficção, com personagens reais e imaginárias meticulosamente desenhadas, que vem confirmar o talento e a maturidade literária de Afonso Reis Cabral. 


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Opinião 

Esta foi a minha estreia com o autor Afonso Reis Cabral, neste que é o seu segundo romance, e que reconstitui, a partir duma sequência ficcional, o caso que chocou o Porto com o assassinato de Gisberta. O crime aconteceu em 2006 e este livro foi publicado em 2018, e isto só mostra como sinto que dou pouca atenção aos autores nacionais contemporâneos. Os prémios têm pouca importância quando escolho as minhas leituras, mas é impossível ignorar o reconhecimento que este jovem tem tido, logo desde o início do seu percurso e, agora que o li, compreendo melhor porque tem dado tanto que falar e vou lhe prestar mais atenção daqui para a frente. 


Estamos perante um caso cujos contornos revelam bem as fissuras da sociedade portuguesa, ocultas nas margens para nossos melhor conforto. O crime foi cometido por um grupo de rapazes, de diferentes idades, e envolveu violência brutal dirigida a alguém marginalizado pela condição de género, por não ter onde morar e pela inevitável exclusão social. Na verdade, a obra testa os limites entre memória, testemunho e invenção, pois o romance não pretende ser uma transcrição jornalística nem um documento factual imutável, mas uma ficção que reimagina cenários, silêncios e silhuetas para entender as forças sociais que produziram a violência. Já o Porto, em Pão de Açúcar, é cenário funcional e simbólico. A geografia urbana não é apenas palco, mas motor da narrativa, convocando trajectos, encontros e desencontros que revelam dinâmicas de classe, de geração e de marginalização. 


Podes ler também a minha opinião sobre O filho de mil homens 


Afonso Reis Cabral apresenta-nos um retrato contundente do assassinato de Gisberta, articulando a narrativa entre memória, culpa e investigação. A obra segue a trajetória dum jovem narrador que, ao reconstruir os acontecimentos relacionados com o crime, expõe as dinâmicas de violência, preconceito e exclusão social que cercam tanto a vítima quanto os agressores. A narrativa alterna-se entre o momento que o primeiro jovem encontrou a Gisberta e a sua pobre barraca no edifício abandonado e o que se seguiu, e o passado da mulher trans, desde vislumbres da infância, do auge como protagonista de espectáculos até ao declínio que a levou à prostituição e às drogas, o que revela as fragilidades, as tensões familiares e a sociedade que permitiu, ou tolerou, o acto final de violência. 


"O meu quotidiano era habitado por gajos como o Fábio, que batem, e como o Leandro e o Grilo, que obedecem, os que abusam e os que se deixam abusar, mas também por amigos que falavam sem freio como o Nélson e por amigos como o Samuel, cujo silêncio dizia mais." 


A estrutura do livro está organizada em capítulos curtos que funcionam como blocos de sensação e observação, fornecendo pequenas janelas sobre o que acontece e sobre o que levou ao desfecho que esperamos que aconteça a qualquer momento. Os pontos de vista são polifónicos, alternando entre diferentes personagens e registos de fala, o que entrega ao leitor muitas informações que permitem contextualizar e perceber como aquela mulher se encontrou naquele lugar e como aqueles rapazes lá chegaram. Em termos de temporalidade, o romance não avança de forma linear, ele opera com saltos, retornos e interrupções que descontroem a cronologia comum, entrelaçando presente e passado para revelar as camadas de violência social que envolvem o caso da Gisberta e o ambiente urbano do Porto. 


Podes ler ainda a minha opinião sobre Ensaio sobre a Cegueira 


O romance mantém-se longe da denúncia sensacionalista, mas articula uma violência que se infiltra nas relações, nas margens da cidade do Porto, nas falas que desumanizam e nas estruturas que, muitas vezes, silenciam a dor de quem é diferente. O autor transforma a invisibilidade social dos vulneráveis no eixo dramático da narrativa. Assim, os personagens à margem são apresentados não apenas como vítimas, mas como seres cuja existência é reiteradamente deslegitimada pela sociedade. Afinal, os silêncios e omissões são uma prática quotidiana que molda escolhas, relações e que tem consequências. Encontramos a memória coletiva nos recortes de jornais, na sentença dos menores, nos gestos morais da sociedade, que se cristaliza em espaços simbólicos do Porto que tornam o crime notícia, memorial e alerta simultâneos. Mas o romance está focado na memória individual, que emerge em fragmentos, lembranças involuntárias, lapsos de tempo que não cabem nos grandes relatos dos factos. 


"Dali veríamos as coisas de outra maneira, os problemas ficariam na cave. Os dela, a morte que a comia por dentro, que a obrigava a abdicar a cada dia; os meus, saber que a necessidade de a ajudar só fazia sentido por ambos não termos mais ninguém." 


Pão de Açúcar é uma construção polifónica, onde o protagonista central é, em primeiro plano, o jovem que encontrou a Gisberta e começou por a ajudar, cujas perspectivas, dúvidas e falácias vão moldando o enredo. Por outro lado, temas a Gisberta, figura iluminada pelos fragmentos do passado e pelo relato da degradação em que se encontrava no final que se aproximava. Se a relação tivesse permanecido entre os dois, não teria acontecido um crime cruel. Mas o jovem começou por partilhar o segredo com os amigos, que se juntaram a ele nas visitas à cave. Foi nesse momento que percebeu que tinha um rival para as confidências daquela mulher doente e os ciúmes corroeram qualquer bondade que nele existia. Ao partilhar com outros elementos do lar onde todos viviam, abriu as portas para o horror e perdeu o controlo sobre o destino, o dela e o dele. Quando a violência atinge o seu auge, só lhe resta juntar-se à manada e descarregar naquele corpo frágil toda a fúria e revolta, toda a repulsa e desprezo. 


O autor compõe um romance quase documental, mas carregado duma energia tenaz que desarma a crueldade ao narrar não apenas os factos, mas o tempo que os ensinou a circular pela cidade, a sobreviver aos abusos de que também eram vítimas, e a repetir em alguém mais fraco o que conheciam nas suas vidas. O resultado é uma obra que não celebra nem condena de modo simplista. Observa, compara, denuncia e, sobretudo, convence pela precisão do gesto literário, transformando o ocorrido em reflexão sobre quem somos quando deixamos de ver o que está diante dos nossos olhos. O impacto da leitura de Pão de Açúcar é, acima de tudo, um desconforto que vai crescendo a cada novo capítulo. O livro é relativamente pequeno e, aparentemente, poderia ser lido rapidamente, um ou dois dias, mas penso que seja impossível, porque a tensão está sempre presente, num crescendo que nos causa ansiedade. Saber o final é avassalador, quando lemos o que lhe antecedeu. 


Quando cheguei ao final do livro, tinha a certeza de ter lido algo especial e muito marcante. Que me irá acompanhar durante muito, muito tempo. É um livro que não deixa ninguém indiferente e que nos agarra e nos atinge como um murro no estômago. Voltei a pegar nele agora para escrever esta resenha e foi difícil não reler tudo. Portanto, só te posso deixar a recomendação, até porque existem histórias que não podem ser esquecidas. Pessoalmente, gostaria muito de saber mais sobre estes rapazes, sobre o que são hoje, se existe arrependimento. Sei que está a ser feito um documentário, que aguardo com curiosidade e que espero que fique disponível também aqui em Portugal. Mas agora quero muito saber a tua opinião! Já leste Pão de Açúcar? Acompanhas o trabalho de Afonso Reis Cabral? Já conhecias este crime que tanto marcou o Porto? Sentiste que a Gisberta foi bem retratada no livro? O que pensas sobre estes rapazes e os seus actos criminosos? Concordas com as suas penas? Conta-me tudo nos comentários! 


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Wook | Bertrand 

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

#Moda - XXIX Gala Globos de Ouro 2025

 

Escadaria de grandeza com passadeira vermelha iluminada por spots, glamorosos convidados em gala a posar para fotógrafos, refletindo brilhos de vestidos e smokings; capa do artigo sobre os mais bem vestidos da XXIX Gala dos Globos de Ouro 2025.

Os Globos de Ouro portugueses voltaram a acontecer em Lisboa e, desta vez, também assisti à cerimónia e talvez se tenha estabelecido uma nova tradição de reunir os mais bonitos da noite. Todos os vestidos são, no fundo, declarações de estilo, personalidade e elegância. Este ano, a passadeira vermelha do Coliseu transformou-se num desfile de moda, com silhuetas arrojadas, tecidos luxuosos e detalhes cuidadosamente orquestrados. Como sempre, uns mais bem conseguidos que outros, foram vistos cortes clássicos reinterpretados e propostas mais ousadas, que permitem contar histórias pessoais ou universais e humanitárias. 


Buy Me A Coffee

Hoje, voltamos a explorar os looks que fizeram as cabeças virar e com os quais poderia muito bem ir a um evento deste nível, sem fazer má figura. Portanto, prepara-te para revistar os estilos que marcaram a noite e que conquistaram o meu coração, na edição de 2025. Vens comigo nesta viagem pela passadeira vermelha do Coliseu dos Recreios? 


1. Ana Garcia Martins


Ana Garcia Martins, na XXIX Gala dos Globos de Ouro 2025, posa com um vestido branco elegante e acessórios dourados, transmitindo sofisticação e brilho.

2. Carolina Patrocínio 


Carolina Patrocínio na passadeira, vestindo um elegante vestido preto de cauda longa com aplicações douradas; cabelo preso e joias discretas, no contexto da XXIX Gala dos Globos de Ouro 2025

3. Fátima Lopes


Fátima Lopes na XXIX Gala dos Globos de Ouro 2025, com um vestido preto e detalhes dourados na gola, posando de forma elegante durante a cerimônia.

4. Mariana Monteiro


Mariana Monteiro na XXIX Gala dos Globos de Ouro 2025, vestindo um vestido azul acinzentado de corte clássico e elegante, com decote discreto, cabelo preso e joias simples; ela sorri para a câmera, com o palco iluminado ao fundo.

5. Ricardo Pereira e Francisca


Ricardo Pereira, de fato e camisa pretos, ao lado da esposa Francisca, que veste um vestido azul-escuro brilhante, na XXIX Gala dos Globos de Ouro 2025.

6. Tiago Aldeia


Tiago Aldeia, de fato preto e camisa branca, posando com elegância na passadeira vermelha da XXIX Gala dos Globos de Ouro 2025, expressão confiante e estilo clássico.

Ao percorrer esta passadeira vermelha da XXIX Gala dos Globos de Ouro, ficou claro que a noite não foi apenas sobre prémios, mas sobre celebração da beleza e da elegância. Os looks mais marcantes combinaram elegância atemporal com uma ousadia contemporânea, captando com maestria a atmosfera festiva do evento. 


Vê também os looks da XXVIII Gala Globos de Ouro 2024 


Posto isto, quer-me mesmo parecer que no próximo ano voltaremos a falar sobre esta passadeira vermelha, afinal o que é nacional também tem glamour e brilho e merece ser destacado. Agora, quero saber a tua opinião! Viste a Gala? Acompanhaste a passadeira vermelha? O que achaste dos looks da noite? Qual o teu favorito? Conta-me tudo nos comentários abaixo! 

terça-feira, 7 de outubro de 2025

#Livros - O Anjo Pornográfico, de Ruy Castro

 

Capa do livro “O Anjo Pornográfico” (Ruy Castro), pela editora Tinta-da-China: retrato de Nelson Rodrigues em tons de vermelho, com o título em letras verdes.

Sinopse

Nelson Rodrigues é um mito do século XX brasileiro, e um dos escritores mais prolíferos e aclamados. Nasceu no Recife em 1912, mudando-se em 1916 para o Rio de Janeiro, cidade que seria o cenário privilegiado de toda a sua obra. Começou a trabalhar como jornalista aos 13 anos, logo na secção policial, num jornal fundado pelo pai, e nunca mais parou. Fez da crónica e da escrita um hábito diário e destacou-se em todos os géneros literários, pela qualidade e pela quantidade: escreveu 17 peças de teatro, nove romances e milhares de páginas de contos e crónicas, que mais tarde deram origem a várias edições de textos reunidos, assim como a adaptações para teatro, cinema e televisão. Idolatrado e odiado, politicamente conservador, Nelson Rodrigues tanto apoiou a ditadura militar brasileira como foi, mais tarde, defensor acérrimo das suas vítimas. Reaccionário assumido, desencadeou sempre sentimentos fortes, não só devido à sua obra como também à sua vida pública e privada. Morreu no Rio de Janeiro em 1980. 

Além de escritor prolífico, com uma produção a todos os títulos espantosa, Nelson Rodrigues foi protagonista de uma vida extraordinária: pobreza, fome, cegueira, sucesso, doenças fatais e sucessivos golpes à sua vasta família trágica, desde homicídios a desastres naturais. Por seu lado, Ruy Castro é o grande nome da biografia no Brasil, respeitado romancista, historiador e jornalista, conhecido por investigar até onde ninguém antes alcançou. Escreveu livros também emblemáticos sobre Garrincha e Carmen Miranda. É deste encontro de forças desmedidas que nasce O Anjo Pornográfico, livro que reconstitui a assombrosa história de Nelson Rodrigues, desde a vida dos seus pais até ao momento da sua morte. A partir de entrevistas a 125 pessoas que conheceram o escritor, Ruy Castro segue o rasto das muitas obsessões que marcam também a obra de Nelson Rodrigues - sobretudo o sexo e a morte - e tenta resolver as muitas questões que pairam sobre a forte impressão que deixou: Génio ou louco? Tarado ou pudico? Reaccionário ou revolucionário? Raivoso ou apaixonado? 


Buy Me A Coffee

Opinião 

O Anjo Pornográfico, biografia de Nelson Rodrigues, escrita por Ruy Castro, apresenta-se como uma investigação elegante e implacável sobre a vida do eterno provocador do teatro brasileiro. O autor, jornalista e biógrafo consagrado, é conhecido por decifrar figuras icónicas da cultura brasileira com olhar atento ao contexto histórico e social, e oferece no livro uma narrativa biográfica e uma leitura que entrelaça a vida privada do dramaturgo com a complexa obra que ele deixou. Através de entrevistas, documentos e uma prosa envolvente, Ruy Castro convida o leitor a compreender o famoso paradoxo de Nelson Rodrigues: o provocador que expõe as neuroses da sociedade enquanto constrói uma dramaturgia monumental. 


Esta é a segunda biografia que leio deste autor e parece-me transversal a pesquisa histórica, o jornalismo investigativo e a sensibilidade literária para retratar personagens e épocas esquecidas. Neste O Anjo Pornográfico mergulhamos num universo de intenso melodrama e contracultura, onde nos é oferecida a provocação duma história envolvente, mas também uma fotografia crítica dum Brasil em transformação, onde o proibido, o sensual e o popular se cruzam para revelar o clima moral e artístico da época. O estilo de escrita na obra é marcado pela fusão entre reportagem rigorosa e biografia envolvente, que transita com naturalidade entre pesquisa documental, memória afetiva e crítica cultural. Com uma voz fluída, carregada de ironia discreta e humor afiado, transporta-nos para a vida dum homem e da sua família, todas dignas do seu próprio folhetim, revela-se capaz de construir uma biografia sem reduzir a complexidade humana a uma imagem simplista. 


Podes ler também a minha opinião sobre Chega de Saudade 


Recorte da vida duma figura icónica da cultura brasileira, que constrói um Rio de Janeiro nos detalhes ocultos e que persiste na memória coletiva, o livro não se restringe a uma trajetória biográfica linear, mas constrói uma galeria de episódios marcantes, encontros e polémicas que revelam as tensões entre vida privada e exposição pública, entre o glamour e o lado obscuro da cidade. A trajetória de Nelson Rodrigues é uma revelação contínua de paradoxos e intensidade. Do jovem que desenvolve uma curiosidade pela psique humana aos passos que o lançam como dramaturgo provocador e jornalista imparável, Rodrigues é apresentado como alguém que transforma o particular da vida familiar em material dramático brutalmente honesto. A vida do escritor é retratada como uma luta constante contra censuras, preconceitos e convenções, culminando na criação dum repertório que, embora polémico, revela uma sensibilidade aguda para o sujeito e a sociedade. 


"Tinha outro motivo para querer que o esquecessem: um impulso fanático para escrever. Enchia resmas de papel com o que, olhado de esguelha, pareciam ser crónicas. Não se sabe ao certo o que eram, porque Nelson não mostrava uma linha a ninguém." 


O biógrafo não se limita a reconstituir factos biográficos: investiga a partir de jornais, cartas, diários, roteiros, peças de teatro e depoimentos de familiares, amigos e contemporâneos para revelar como a experiência pessoal do dramaturgo atravessa, transforma e provoca o seu legado público. O livro dialoga com o contexto cultural do Brasil, especialmente com a moralidade, o conservadorismo, a psicologia popular e o nascimento duma cultura de choque que Nelson ajudou a criar. Aqui somos presenteados com uma visão ambiciosa, que não reduz Nelson Rodrigues a rótulos, mas desconstrói certezas, problematiza certezas históricas e marca-nos com a sensação de que o "anjo" é, na verdade, um espelho intenso das contradições brasileiras. Assim, O Anjo Pornográfico é uma viagem pelo abismo entre mito e memória, conduzida com a cadência fatal do bom jornalismo literário. 


Podes ler ainda a minha opinião sobre A vida como ela é 


A obra alimenta o mito do criador que vive na fronteira entre o proibido e o extraordinário, expondo um Nelson Rodrigues mais íntimo, um génio criativo que, ao explorar o grotesco e a sombra da vida quotidiana, construiu um legado teatral e jornalístico que desafiou tudo e todos ao seu redor. Ruy Castro traça a trajetória de Nelson Rodrigues, começando ainda antes do seu nascimento, contando a vida fantástica dos seus pais, passando para a sua infância e a sua formação nos jornais do pai, sem esquecer o contexto familiar, repleto de referências com tantos irmãos à sua volta, e a criação duma voz literária e teatral que desvendou tabus, exagerou contradições e expôs as fissuras da moral brasileira. A obra de Nelson é lida como um mapa de temas recorrentes: a obsessão pela família e pela violência doméstica, o corpo e a sexualidade como campo de batalha, a culpa sacralizada, o incómodo entre segredo e exibicionismo, bem como a tensão entre censura, imprensa e liberdade criativa. 


"Talvez Elza tivesse intuído que os amores extraconjugais de Nelson não interferiam no seu casamento. Talvez Nelson precisasse viver num permanente estado de paixão, real ou imaginária, que não a diminuía como sua mulher, nem impedia que o casamento fosse navegando." 


Esta leitura é uma imersão rica e ambígua do universo fantástico da vida extraordinária de todos os Rodrigues, onde são revelados, ao mesmo tempo, o brilho e a decadência. Ruy Castro costura uma biografia que não se limita a factos cronológicos, mas mergulha na atmosfera duma era, onde o jornalismo era vibrante e polémico, onde os boémios povoavam a noite do Rio de Janeiro, onde os teatros começavam a ganhar outra dimensão artística e onde Nelson Rodrigues conquistou um lugar ímpar que permanece no imaginário popular até aos dias de hoje. Pela minha parte, fica comprovado o talento de Ruy Castro enquanto biógrafo e pretendo continuar a ler a sua obra nos próximos tempos. Importa também ressaltar a edição cuidada, publicada em Portugal pela Tinta-da-China, repleta de fotos que ajudam a ilustrar muitos momentos da vida conturbada de Nelson Rodrigues. Já a figura do biografado confirmou-se como um homem fascinante, que viveu altos e baixos desde cedo, sempre atento a tudo o que o rodeava, o que lhe permitiu escrever como poucos. 


Em suma, O Anjo Pornográfico traz para a luz a figura do homem por trás do mito, além de oferecer uma visão indispensável para quem deseja compreender o difícil, fascinante e, muitas vezes, contraditório Brasil que Nelson ajudou a desenhar. Mas agora quero muito saber a tua opinião! Já conheces as biografias de Ruy Castro? Gostas do género? E sobre Nelson Rodrigues, já conhecias algumas das histórias contadas no livro? Qual o momento que mais te marcou da vida conturbada de Nelson Rodrigues? Conta-me tudo nos comentários! 


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Wook | Bertrand 

quinta-feira, 2 de outubro de 2025

Projecto Cinema - 1996 | Braveheart

 

Fita de cinema clássica sobre um fundo branco, simbolizando a história e a magia do cinema premiado com o Oscar de Melhor Filme de 1996, "Braveheart".

Regressamos para explorar o vencedor do Óscar de Melhor Filme de 1996, Braveheart. Este filme, realizado e protagonizado por Mel Gibson, conquistou a Academia e o público ao retratar a luta pela liberdade do povo escocês liderada pelo lendário William Wallace. Nesta análise, vamos celebrar a importância do filme na História do Cinema, mas também refletir sobre o seu impacto cultural e a sua narrativa épica que o transformou num verdadeiro ícone do Cinema de acção e do drama histórico. 


Buy Me A Coffee

Durante a década de 1990, o Cinema passou por uma transformação significativa, marcada pelos avanços tecnológicos e uma maior atenção às narrativas autorais. Foi uma época de inovação, com o surgimento de efeitos especiais revolucionários, como os utilizados em filmes de ficção científica e fantasia, além duma crescente valorização de filmes independentes e internacionais. Os anos 90 também consolidaram o sucesso de grandes blockbusters, enquanto cineastas famosos começaram a explorar temas mais complexos e históricos, refletindo as mudanças sociais e culturais do período. 


Acompanha todo o desenrolar do Projecto Cinema - Óscar de Melhor Filme 


Lançado em 1995, narra a luta de William Wallace, um guerreiro escocês que liderou a sua povoação contra a opressão inglesa no século XIII. Com uma narrativa intensa e cenas de batalha memoráveis, o filme conquistou o grande público e a crítica, destacando-se pela sua grandiosidade visual e pela força da sua história de coragem, liberdade e sacrifício. Wallace torna-se um líder rebelde, após a tragédia de perder a família, e transformou-se num símbolo que mobilizava o seu povo, sendo protagonista de batalhas onde a coragem e o sacrifício eram protagonistas, sem esquecer o desejo de liberdade e autonomia. O roteiro, baseado na história do herói escocês, foi assinado por Randall Wallace e oferece uma visão mais romântica e idealista desta figura histórica, o que, consequentemente, resulta numa imagem menos sanguinária. 


Imagem do pôster do filme "Braveheart" (1995), apresentando Mel Gibson como William Wallace, com uma expressão determinada, vestindo armadura medieval, segurando uma espada e uma bandeira escocesa ao fundo, evocando coragem e luta pela liberdade.

Assim, Braveheart destacou-se pela sua produção épica e envolvente, que transportou os espectadores para o turbulento cenário da Escócia medieval. A realização de Mel Gibson trouxe uma narrativa poderosa, que combina uma fotografia impressionante com figurinos que reforçam a atmosfera histórica. A banda sonora, composta por James Horner, contribuiu significativamente para a emoção do filme, elevando momentos de triunfo e de tragédia com composições memoráveis. Além disso, as cenas de acção intensas e bem coreografadas, como as batalhas épicas, marcaram o filme como uma obra de referência dentro do género, capturando a brutalidade e o heroísmo da época de forma visceral e inesquecível. No entanto, importa não esquecer algumas críticas que apontaram que o filme exibia algumas liberdades históricas e uma representação dramática que, por vezes, sacrificava a precisão em nome do espectáculo. 


O sucesso de Braveheart teve um impacto significativo na carreira de Mel Gibson, consolidando a sua posição como um dos actores e realizadores mais influentes de Hollywood. Como realizador, produtor e protagonista do filme, Gibson recebeu reconhecimento mundial o que elevou o seu prestígio na indústria cinematográfica. No que diz respeito aos Óscares, além do prémio de Melhor Filme, também conquistou as categorias de Melhor Realizador, Melhor Maquilhagem, Melhor Fotografia e Melhor Edição de Som, o que vem reforçar o seu reconhecimento técnico e artístico. 



A vitória de Braveheart, em 1996, permanece relevante até hoje, porque celebra uma narrativa épica de coragem e liberdade, além de destacar a importância de contar histórias que inspiram o senso de identidade e resistência. Sem esquecer o quanto a realização de Mel Gibson, combinada com uma produção grandiosa e actuações marcantes, elevou o filme a um patamar que transcende o tempo e que o coloca como um marco no Cinema vencedor do Óscar. Pela parte que me toca, é um filme muito interessante, apesar das falhas históricas, mesmo considerando o final dramático, que retrata o final verdadeiro deste herói escocês, e gostei muito de revê-lo para este projecto. 


Portanto, se ainda não viste este clássico do Cinema, não percas a oportunidade, e se viste, trata de rever, porque, passados tantos anos, vais te surpreender com o quanto envelheceu bem a produção. O filme está disponível para subscritores do Disney+, por isso, podes ir já buscar as pipocas! Entretanto, partilhar comigo a tua opinião. Já viste Braveheart? O que achaste da representação histórica da época e das cenas de combate? Achas que continua a ser um filme merecedor dos prémios que recebeu em 1996? Conta-me tudo nos comentários abaixo! 

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