Sinopse
Escrito clandestinamente de 1958 a 1967, o manuscrito de O Arquipélago Gulag foi descoberto pelo KGB em 1973, na sequência da prisão de Elizabeth Voronskaïa, uma colaboradora de Soljenítsin que o dactilografava. Na sequência disso, Soljenítsin, que tinha sido galardoado com o Prémio Nobel em 1970, decide publicar o livro no exterior. Uma primeira edição em russo é publicada em Paris ainda em 1973 e depois finalmente a edição francesa, no Verão de 1974. Soljenítsin fora entretanto preso, acusado de traição, despojado da nacionalidade soviética e enviado para o exílio, onde estará vinte anos, até ao seu regresso à Rússia em 1994.
Para realizar este extraordinário livro, Soljenítsin foi ajudado pelo testemunho de 227 sobreviventes dos campos do Gulag. O livro agora publicado pela Sextante, no âmbito do projeto de edição em língua portuguesa das principais obras do autor, é a versão abreviada, num só volume, preparada por Soljenítsin e por sua mulher, Natália, com o objetivo de tornar mais acessível este livro aos leitores estrangeiros e a novos leitores. Traduzida diretamente do russo por António Pescada, eis pois uma obra excecional, um livro de combate contra o totalitarismo de face estalinista, um livro que ainda hoje nos queima as mãos.
Não esqueçamos as palavras de Soljenítsin: «Devemos condenar publicamente a ideia de que homens possam exercer tal violência sobre outros homens. Calando o mal, fechando-o dentro do nosso corpo para que não saía para o exterior, afinal semeamo-lo.»
Opinião
Aleksandr Soljenítsin, nascido em 1918 na Rússia, foi um famoso escritor e dissidente político que recebeu o Prémio Nobel de Literatura em 1970. A sua obra-prima que hoje te trago, O Arquipélago Gulag, publicada em 1973, é uma extensa investigação e relato sobre o sistema de campos de trabalho forçado da União Soviética. O próprio Soljenítsin foi preso e enviado para um destes campos, onde passou oito anos da sua vida, experiência que inspirou a escrita deste livro. Com uma linguagem sóbria e detalhes precisos, o autor expõe a brutalidade e a desumanidade do regime soviético, lançando luz sobre um dos capítulos mais sombrios da História contemporânea.
Durante a época em que Aleksandr Soljenítsin foi preso e enviado para os campos de trabalho forçado do Gulag, a União Soviética estava sob o regime opressivo de Josef Estaline. O país passava por um período de intensa repressão política, onde qualquer forma de dissidência era duramente reprimida pelo governo. O medo e a desconfiança permeavam a sociedade, com denúncias e perseguições constantes. A censura era uma prática comum e a liberdade de expressão era severamente limitada. A vida dos cidadãos era controlada de forma rigorosa pelo Estado, que procurava manter o seu poder absoluto através do terror e da violência. Parece uma descrição de qualquer regime fascista que existiu na Europa no século XX, não é? Mas estamos a falar, neste caso, do regime comunista que provocou ainda mais vítimas que o próprio Nazismo. No meio deste cenário de opressão, milhões de pessoas foram enviadas para os campos de trabalho forçado do Gulag, onde eram submetidas a condições desumanas e violações constantes dos seus direitos básicos.
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O livro O Arquipélago Gulag, além de ser um grande murro no estômago de quem lê, traz uma profunda análise sobre o sistema Gulag na União Soviética, revelando a sua extensão e o seu significado na História do país. Gulag era o acrónimo em russo para «Administração Geral dos Campos de Trabalho Correctivo», e representava um vasto sistema de campos onde milhões de pessoas eram enviadas para serem punidas e reeducadas pelo regime soviético. O sistema Gulag abrangia desde campos de prisioneiros políticos até campos de trabalho forçado para criminosos comuns, e representava o controlo totalitário e opressivo do Estado sobre os seus cidadãos. Assim, Soljenítsin revela as atrocidades cometidas no Gulag, como tortura, fome, privações e execuções sumárias, mostrando o impacto devastador que teve na sociedade soviética.
"Em diferentes anos e décadas, a instrução do processo pelo artigo 58 quase nunca buscou o apuramento da verdade, consistindo apenas no inevitável procedimento sórdido: agarrar um homem ainda há pouco livre, por vezes orgulhoso, sempre impreparado, dobrá-lo, fazê-lo passar por um tubo estreito, onde os ganchos da armadura lhe rasgavam os flancos, onde lhe era impossível respirar, de modo a que ele implorasse para chegar ao outro extremo - e o outro extremo do tubo expelia-o já transformado num perfeito indígena do Arquipélago e já na terra prometida."
Estamos perante um relato brutal e e sincero, com descrições minuciosas sobre a vida nos campos, a opressão dos guardas, a crueldade do regime e a luta diária pela sobrevivência. Soljenítsin expõe para o mundo a brutalidade do sistema soviético, revelando ao leitor os horrores e injustiças enfrentados pelos prisioneiros políticos, relatando não só as suas experiências pessoais mas as de muitas das pessoas que viveram esses horrores e partilharam com ele, com grande sofrimento, as suas memórias. Por tudo isto, este livro é considerado uma das obras mais importantes sobre o regime totalitário estalinista e um testemunho poderoso das experiências devastadoras vividas no Gulag. Apesar de estar todo escrito numa linguagem simples e acessível, não é um livro fácil que se lê num ápice. Não só por ser longo, mas pelos seus relatos que causam náusea e desconforto a qualquer leitor com um pingo de sensibilidade. No fundo, Soljenítsin confronta-nos com uma verdade inconveniente e obriga-nos a questionar a essência da natureza humana diante de situações extremas de opressão e desumanização.
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O Arquipélago Gulag teve um impacto gigantesco na percepção da história soviética e na denúncia dos abusos do regime comunista. Por muito tempo este manuscrito esteve escondido, sem esperança de ver a luz do dia durante a vida do seu autor. Mas a sua descoberta pelo KGB fez com que Soljenítsin decidisse avançar com a publicação em França, expondo ao mundo todo a verdadeira face do regime, quebrando para sempre a imagem de idealismo e justiça que muitos ainda acreditavam existir no comunismo. Com a sua obra, o autor conseguiu mostrar a verdade sobre a União Soviética, mas pagou o preço, pois foi preso, perdeu a sua nacionalidade soviética e foi expatriado, só regressando em 1994. Portanto, ninguém pode ficar indiferente a este conhecimento e esquecer o que leu sobre o lado mais obscuro do comunismo e as consequências devastadoras deste regime para a sociedade.
"A pessoa enfraquece, enfraquece, e tanto mais depressa quanto maior é a estatura. Fica surdo, idiota, perde a capacidade de chorar, mesmo quando o levam de rastos pelo chão atrás de um trenó. Já não tem medo da morte, passou todas as fronteiras, esqueceu-se dos nomes da mulher e dos filhos, esqueceu-se do seu próprio nome. Por vezes todo o corpo de quem está a morrer de fome cobre-se de sinais do tamanho de ervilhas, com cabeças purulentas mais pequenas que a cabeça de um alfinete. Não se lhe pode tocar, de tão doloroso. A pessoa apodrece em vida."
Assim, esta obra não se limita a expor as atrocidades cometidas contra milhões de pessoas, mas também serve como um alerta contra os abusos de poder e a necessidade de preservar a liberdade e os direitos individuais. O Arquipélago Gulag é um grito de resistência e uma lembrança dolorosa dum dos capítulos mais sombrios da História mundial, sendo um testemunho poderoso para as gerações futuras. Como pura obra literária, narrativa de Soljenítsin é magistral e envolvente, fazendo com que o leitor mergulha de cabeça naquela realidade terrível e perturbadora. Ao contrário do que aconteceu com outros regimes repressivos, o comunismo soviético teve pouca exposição na Literatura, mas este autor corajoso foi capaz de romper a censura e ofereceu-nos esta obra-prima que deveria ser lida por todos nós, mesmo os mais sensíveis, para que nunca fique esquecido o perigo de cair novamente em qualquer tipo de regime repressivo e nunca deixemos de estar alerta.
Em suma, O Arquipélago Gulag é uma obra fundamental para compreender a brutalidade do sistema repressivo soviético. Através dos seus relatos emocionantes e detalhados, o autor expõe as atrocidades cometidas nos campos e nas prisões durante o regime de Estaline. Este livro é um convite para a reflexão, tão em falta nos dias que correm, sobre os limites do poder opressor do Estado e sobre a resistência dos indivíduos diante da tirania. Este é um livro que muito me impactou, perturbou e que permanece na minha memória. Fiz uma leitura lenta e pausada, capítulo a capítulo, que me permitiu absorver a enormidade do que era contado mas também fazer uma pausa entre cada atrocidade relatada. Só posso recomendar a leitura desta obra impactante e reveladora, que nos faz repensar a História e os valores da humanidade.
Posto isto, agora quero saber o que tens a dizer sobre O Arquipélago Gulag! Já leste esta obra fantástica? O que sentiste ao ler tantas atrocidades desumanas? Conheces e recomendas outros livros deste autor extraordinário? Conta-me tudo nos comentários abaixo!
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