Sinopse
O que mudará na vida de antónio silva, com oitenta e quatro anos, no dia em que violentamente o seu mundo se transforma?
Este é a história de quem, no momento mais árido da vida, se surpreende com a manifestação ainda de uma alegria. Uma alegria complexa, até difícil de aceitar, mas que comprova a validade do ser humano até ao seu último segundo. a máquina de fazer espanhóis é uma obra de maturidade, conseguida pela grande capacidade de criar personagens que este autor sempre revelou, aqui enredadas nas questões da velhice, da sua ternura e tragédia, resultando num trabalho feito da difícil condição humana mesclada com o humor que, ainda assim, nos assiste. É uma imagem livre do que somos hoje, consequência de tanto passado e de dúvidas em relação ao futuro. É ainda um livro, tão delicado quanto sincero, de reflexão sobre a fidelidade na amizade e no amor.
Opinião
Valter Hugo Mãe, nome artístico de Valter Hugo Lemos, é um escritor e poeta português, nascido em Angola em 1971. Com uma escrita marcada pela sensibilidade e profundidade, ele destaca-se no cenário literário contemporâneo pela sua capacidade de explorar temas universais como a solidão, a identidade e as relações humanas. Reconhecido internacionalmente, Valter Hugo Mãe já recebeu diversos prémios literários e é autor de várias obras que conquistaram leitores ao redor do mundo. Em A máquina de fazer espanhóis ele entrega uma história emocionante e reflexiva sobre a passagem do tempo, a busca pela felicidade e a importância de nos reconectarmos com as nossas raízes e memórias. Por incrível que pareça, foi a minha estreia com este autor nacional e continuo sem entender porque demorei tanto tempo.
A máquina de fazer espanhóis é um livro que nos transporta para a vida de António Silva, um homem de oitenta e quatro anos que tem de enfrentar a solidão após a perda da esposa. Assim, o autor apresenta-nos um retrato tocante e melancólico da vida deste protagonista, que tem de encontrar um novo significado para a sua existência, quando o seu desejo era partir também. A leitura é um convite a refletir sobre temas como a memória, a morte, o afecto e a identidade, explorando as nuances e complexidades da experiência humana, com especial destaque para a terceira idade. Com a sua narrativa poética, somos levados por um caminho de autodescoberta e redenção, chegando a mergulhar profundamente na intimidade e na fragilidade do protagonista, mas também dos idosos que lhe são próximos nesta nova realidade que é obrigado a viver.
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Como já referi, António perde a esposa e a filha decide que será melhor que ele passe a viver num lar de idosos. Revoltado com a vida e com a família, sem fé no divino, recusa-se a falar ou estabelecer contacto com qualquer pessoa que vive nesta nova casa que habita. Esta birra acaba por durar pouco tempo, pois a educação e até a vontade camuflada de descobrir mais sobre esta nova realidade levam a melhor e dá por si com um núcleo de amigos à sua volta. É assim que vamos entre os acontecimentos típicos dum lar de idosos e as memórias da juventude dos seus habitantes, passando por algumas revelações inesperadas e que oferecem um novo fôlego de interesse e de esperança a quem já não acredita que nada disso seja para si. São esses personagens, cada um à sua maneira, que irão ajudar António a encontrar um novo sentido para a sua vida e a redescobrir um certo prazer de viver.
"o ser humano é só carne e osso e uma tremenda vontade de complicar as coisas. eu aprendi que aqueles crentes se esfolavam uns aos outros de tanto preconceito e estigmatização. e aprendi, no dia em que perdemos o nosso primeiro filho, que estávamos sozinhos no mundo."
Situada num lar de idosos, mais ou menos autónomos, a narrativa traz à tona temas como a solidão, envelhecimento e memória. Mas, mesmo num ambiente melancólico e até sombrio, existem amizades novas, esperança renascida, momentos divertidos e surpreendentes e até novos amores. Como uma prova de que a terceira idade não precisa ser o fim da vida e da alegria. Pode muito bem ser o início e entregar descobertas importantes e uma evolução emocional que na juventude, por alguma razão, escapou por entre os dedos. Parece ser o caso de António, que se vê a dar valor à amizade, que nunca cultivou fora da sua casa ao longo da vida, tendo vivido para a esposa e os filhos exclusivamente. Fez tudo pelo bem da família e sente-se injustiçado pelo filho que não voltou a Portugal para o funeral da mãe e também pela filha que o colocou naquele lugar, longe da vista, como um fardo que se coloca nos ombros de outros. É um relato que alterna momentos divertidos e engraçados com outros pungentes, capazes de nos cortar o coração, que nos obriga a compreender o que vai dentro de muitos idosos tirados das suas casas e do convívio regular com a família.
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A escrita de Valter Hugo Mãe é marcada por um estilo único e envolvente, repleto de metáforas e com a característica de não incluir praticamente maiúsculas. Numa fase inicial, parece confuso, tal como acontece com o estilo de Saramago, mas depois habituamo-nos a estar atentos à pontuação, de forma a melhor entender onde estão pontos ou apenas vírgulas. Acresce a isto, a sua capacidade de criar um universo literário singular, onde os sentimentos e as relações interpessoais são o centro da narrativa, tornando a leitura uma experiência cativante e enriquecedora para quem se aventura nas suas páginas. Em A máquina de fazer espanhóis, as palavras são como pinceladas delicadas, que pintam um retrato profundo e emocionante sobre a natureza humana e as suas complexidades na terceira idade, época pouco abordada pelas artes em geral, mas sobre a qual me parece imperativo falar e pensar, dado que cada vez mais pessoas vivem até mais tarde.
"o salazar foi como uma visita que recebemos em casa de bom grado, que começou por nos ajudar, mas que depois não quis mais ir-se embora e que nos fez sentir visita sua, até que nos tirou das mãos tudo quanto pôde e nos apreciou amaciados pela exaustão."
Para mim, a leitura de A máquina de fazer espanhóis foi intensa e emocionante, obrigando a ler apenas poucos capítulos por dia, pela necessidade de assimilar e digerir o que foi lido, sobretudo pela carga emocional que sempre entrega. É impossível ler e não ficar totalmente envolvido por estas personagens complexas e sensíveis, que nos levam por uma enorme gama de emoções, desde tristeza e melancolia até esperança e alegria. É uma autêntica reflexão sobre a natureza humana, sobre o poder da empatia e da amizade. Foi uma leitura que me marcou profundamente e que tenho a certeza que vai ficar comigo por muito tempo. No fundo, é uma obra tocante e repleta de ensinamentos que nos fazem repensar as nossas escolhas e prioridades.
Em suma, esta é uma obra que precisa ser lida e apreciada por todos os que procuram uma leitura que os toque e os transforme. Recomendo ainda para os amantes da literatura contemporânea ou para os que acham que não se escreve nada de especial nos dias que correm, porque vão perceber que estão bem enganados. Pela parte que me toca, agora quero ler tudo o que este autor já escreveu, a começar pelos restantes livros que completam esta tetralogia do seu início de carreira. Mas é chegada a hora de saber qual a tua opinião. Já leste este autor e este livro? O que sentiste depois de ler A máquina de fazer espanhóis? Que outros livros de Valter Hugo Mãe recomendas? Conta-me tudo nos comentários!
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