Sinopse
A Perestroika derruba os regimes comunistas na Europa. Na República Popular da Eslávia, os antigos dirigentes tentam sobreviver aos novos tempos, enquanto as suas vítimas procuram vingar-se.
O ex-presidente Alfred Ionescu é colocado num asilo que ele próprio construíra. Zut Zdanov, o responsável pela cultura, é confrontado com os seus abusos de crianças. Helena Yava, a responsável pela educação, quer vingar a morte da amante. Igor Olin, o responsável pela economia, luta para que o filho deficiente possa ter uma vida digna. A historiadora de arte Silvia Lenka quer saber quem são os seus pais. Lia Kirchner, filha de um pintor que morreu num campo de reeducação, quer saber a verdade.
Tendo como elemento aglutinador a pergunta de Pilatos a Jesus «o que é a verdade?», Perestroika é um romance de vingança, redenção e catarse inspirado na história europeia recente.
Opinião
Fui contactada pelo autor que gentilmente se ofereceu para me enviar um exemplar do seu romance Perestroika, sem qualquer contrapartida ou data para entrega da resenha. Confesso que desconhecia o trabalho do autor e o seu livro, e não tinha muitas expectativas. Na verdade, não fazia ideia do que esperar, e isso é muito raro de acontecer mas muito agradável. Quando existiu espaço no meu calendário de leituras e decidi pegar neste livro, li a sinopse e fiquei verdadeiramente curiosa e com vontade de descobrir que tipo de narrativa seria entregue, sobretudo nos tempos que correm, em que os modelos russos de governação estão a ser alvo de análise e de críticas.
Tudo se passa na República Popular da Eslávia, país fictício, que aparece como elemento próximo e semelhante à União Soviética, como uma cópia onde pode ser analisado de forma ficcional o que acontece nos bastidores, com os elementos poderosos deste tipo de regime. O livro está dividido em duas partes, passadas em tempos históricos bem distintos. Primeiro, no auge do regime comunista, somos apresentados aos protagonistas que ocupam o poder, com todos os seus defeitos, pecados e crimes, os opositores que sempre existem e que acreditam serem capazes de destruir a ditadura em que vivem, alguns criminosos aparentemente aleatórios, mas que lá na frente vai fazer sentido a sua participação nesta fase. A trama alterna entre os corredores do poder e a vida miserável nos campos de educação, para onde vão os criminosos e os inimigos do regime.
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Assim, começamos em 1978 e, terminada essa primeira parte, temos um salto narrativo que nos transporta para 1989, no momento em que a própria União Soviética se encontra a ruir com todo o sistema comunista e que tem como consequência o abalo no regime que existia também na Eslávia. Nesta fase inicial, encontramos as reacções dos poderosos a este colapso, como procuram aproveitar o momento para se posicionar de forma favorável para não perderem os privilégios, ainda que os motivos de cada um estejam longe de ser os mesmos. Temos os verdadeiros corruptos, temos os que se envergonham de ter participado neste regime, e os que procuram salvar os seus das consequências.
"Eu estou preso por ter sido rico, você está preso por ser talentoso. O partido conseguiu apoderar-se facilmente da minha riqueza, mas sabe que nunca conseguirá apoderar-se do seu talento. Você corre mais perigo do que eu."
Mas a verdade é que com a mudança de regime, com a queda do partido, os papéis invertem-se e a maioria dos poderosos caem em desgraça e os proscritos de antes, passam a ocupar os cargos de poder. O problema é que os criminosos também conseguem beneficiar-se com a abertura ao capitalismo e o dinheiro sujo serve para comprar o caminho do poder no novo regime. A democracia, para um povo que passou anos amordaçado, sem capacidade de análise e sem espírito crítico, revela-se um perigo, pois ninguém os preparou para escolherem os seus políticos.
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A dada altura, mais do que a crítica social e política, somos confrontados com sentimentos humanos que servem de força motriz. O desespero, a sede de vingança, a busca pela justiça, o amor, a paixão, a defesa dos ideais. Quando o tabuleiro vira, todos estes sentimentos ganham força e muitos são os que se sentem preparados para sair em busca do que acreditavam que nunca seria possível. O aspecto mais frustrante é perceber a actualidade das críticas que encontramos em Perestroika. As ditaduras já sabemos bem o que são e com o que podemos contar, os seus aspectos negativos estão à vista de quem quiser ver, mas a democracia pode muito bem ser usada por gente sem escrúpulos, e servir como máscara para se encobrir a corrupção, os crimes, os negócios duvidosos, só para dar alguns exemplos.
"O ódio era talvez a força mais poderosa que fazia mover o ser humano, levando-o a arriscar a própria vida."
Só posso dizer que esta foi uma agradável surpresa, muito melhor do que algum dia poderia ter imaginado. Adorei a escrita fluída do autor, a sua capacidade de nos entregar personagens complexos e que não são só bons nem só maus, a história empolgante e assustadoramente actual que nos oferece aqui. Este livro conquistou-me verdadeiramente e, nos dias que correm, acredito que é uma leitura interessante para todas as pessoas com consciência cívica e que gosta de reflectir nos problemas políticos, que tanto influenciam a vida de nós, cidadãos.
Conhecias o autor João Cerqueira e o seu Perestroika ou fui só que andava distraída? Depois de teres lido a minha resenha, conta-me nos comentários se consegui despertar a tua curiosidade ;)
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