Sinopse
C conta-nos a história de Serge Carrefax. Nascido em 1898 filho de um homem fascinado pelas experiências com as comunicações sem fios que ao mesmo tempo dirige uma escola para crianças surdas, Serge passa a infância entre o silêncio e o ruído da estática, e toda a sua vida ficará marcada pelos mistérios da comunicação: pelos códigos usados durante a Primeira Guerra Mundial, pelas sessões espíritas em Londres após a guerra e pelos enigmas do Egipto. C é um romance ambicioso e original no seu alcance histórico e psicológico - e na sua tentativa de decifrar um pouco os códigos e ritmos obscuros que regem a vida e nos mantêm todos interligados.
Opinião
C, de Tom McCarthy, apresenta-se como uma obra inovadora que mergulha na interseção entre tecnologia, arte e percepção, explorando as complexidades do desenvolvimento das comunicações e as suas implicações na experiência humana. Serge é o menino que acompanhamos desde o nascimento, que cresce rodeado pela paixão do pai pelas comunicações sem fios e pela realidade dos alunos surdos da escola que a família dirige na sua propriedade, e que seguimos ao longo do seu crescimento, assistindo às relações que estabelece, primeiro com os pais e a irmã, figuras essenciais de todo o seu percurso.
No livro, tudo é conduzido de forma profundamente reflexiva, ainda que as respostas não seja entregues inteiramente. A obra mergulha na relação entre o ser humano e as formas de comunicação que foram sendo desenvolvidas, destacando como a tecnologia molda e transforma os processos comunicativos e a compreensão da realidade. McCarthy utiliza uma narrativa que evidencia a fluidez e as ambiguidades da linguagem, algo transversal e que também nos toca quando pensamos nos desenvolvimentos tecnológicos da actualidade. A par com o jovem Serge, o protagonismo é dividido com as novas formas de comunicação, seja pelos códigos usados na Primeira Guerra Mundial, na qual participa, ou nas sessões espíritas que descobre serem uma fraude para enganar os ingénuos, que precisam da esperança de existir uma mensagem para si dos seus mortos, nesta época tão trágica e devastadora.
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Fica evidente, ao longo da leitura, a habilidade do autor para misturar linguagem técnica com uma prosa elegante e envolvente. Com uma atenção meticulosa aos detalhes, cria uma atmosfera densa e carregada de significado, sobretudo à medida que os anos passam e os eventos se tornam mais pesados. Existe uma sensibilidade estética na sua escrita que enriquece a trama, tornando-a, de facto, especial. A estrutura é, de certo modo, fragmentada, com saltos temporais, que avançam em direção à vida adulta do nosso protagonista. Os capítulos são longos e bem desenvolvidos, ainda que torne a leitura mais lenta, tal como o próprio ritmo da narrativa, que avança devagar, como se não existisse razão para ter pressa de chegar ao final triste que nos espera.
"É pela nossa participação no reino da fala que nos tornamos morais, aprendemos a respeitar a lei, a compreender a dor do outro e a expandir e fortalecer as nossas capacidades pelos grandiosos edifícios das artes e das ciências: poesia, razão, argumento, discurso. A fala é o método e a medida da nossa passagem de botão a flor."
A originalidade da narrativa, que mistura elementos de ficção, filosofia e tecnologia, é o grande ponto forte da obra e proporciona uma leitura instigante e diferente do habitual. A profundidade dos temas abordados, como a relação entre linguagem, percepção e realidade, revela uma reflexão profunda e bem fundamentada, convidando-nos a pensar além da superfície. Outro aspecto que muito me agradou foi o facto se de passar durante a Primeira Guerra Mundial, pouco explorada em obras de ficção se comparado com a Segunda Guerra Mundial. Por outro lado, a abordagem densa, repleta de conceitos complexos que são explorados ao detalhe, pode ser um desafio e afastar alguns leitores. Pela minha parte, desagradou-me que não tenha sido esclarecido de alguma forma alguns mistérios, como o que aconteceu com a irmã de Serge. Como se os conceitos novos de comunicação que estão a ser desenvolvidos fossem mais importantes do que o que acontecia com as pessoas daquela família.
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Esta leitura impactou a minha percepção da linguagem e da comunicação, com tecnologias que hoje parecem banais, mas que, quando foram desenvolvidas, foram disruptivas. A escrita é engenhosa e diferente de tudo o que estou habituada, constituindo um desafio quando penso como as palavras e os códigos moldam a nossa realidade, muitas vezes de forma invisível. Foi um estímulo para a minha curiosidade, ainda que não se tenha tornado num favorito. Mas se aprecias leituras sobre a Primeira Guerra Mundial ou sobre o desenvolvimento das formas de comunicação, tens aqui o livro para ti. Para quem não tem medo de livros que fogem do padrão, também vai encontrar em C uma leitura intrigante.
Em suma, estamos perante um livro que explora as transformações sociais, culturais e filosóficas provocadas pelo avanço tecnológico no início do século XX e que foi determinante para tudo o que seguiu e que nos faz chegar aos dias de hoje. Mas agora quero muito saber a tua opinião! Já leste C? Conheces o trabalho do autor? Que aspectos da narrativa mais te impressionaram? Recomendas esta leitura? Conta-me tudo nos comentários!


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