Sinopse
Intimidando pela verve de aríete e pela beleza, Natália Correia simbolizou, como poucos, as inquietações do século XX português. Precoce e radical no pensamento feminino, vítima de efabulações e de mitos, incompreendida e amada, lançou um olhar oracular sobre o seu tempo. Em tertúlias, que eram verdadeiras olimpíadas da confraternização lisboeta, o seu traço aglutinador envolvia, juntamente com o fumo dos cigarros, intelectuais e admiradores, que se irmanavam com párias e malditos em ideias e poemas de vanguarda.
Mulher deslumbrante e carismática, equiparada às maiores pensadoras europeias e às estrelas de Hollywood, atacou o Regime onde mais lhe doía - na moral caduca -, elegeu o erotismo como arma política e tornou-se a autora mais censurada da ditadura. Já no bar que fundou em Lisboa, fez e desfez governos à batuta da sua boquilha.
Nesta biografia, da autoria de uma das vozes mais seguras da nova literatura portuguesa, convivem a libertária e a conservadora, avessa a expor a sua atribulada vida íntima, a mulher que desprezava a política partidária e que nela viveu, inclusive como deputada; o espírito frágil e o temperamento intempestivo; o polémico exercício de funções diretivas em órgãos de imprensa e a defesa intransigente das causas maiores; e, em todas as páginas, as contradições e coerências de uma pensadora capaz de criar para si própria uma narrativa que não a torturasse pelas escolhas que fez.
Opinião
Natália Correia é uma figura emblemática da literatura e da cultura portuguesa, cuja obra transcende as fronteiras da escrita para se afirmar como um poderoso símbolo da resistência e da identidade. A biografia O Dever de Deslumbrar, da autora Filipa Martins, mergulha na vida e na obra desta escritora, ativista e poeta, revelando não só a profundidade da sua contribuição literária, mas também o seu papel vital na promoção da liberdade de expressão e na luta contra a opressão durante um período conturbado da História portuguesa. Natália, com a sua voz singular e provocadora, desafiou convenções sociais e políticas, deixando um legado que continua a inspirar novas gerações. Aqui, a sua biógrafa ilumina a importância de Natália Correia como uma figura central na construção da cultura contemporânea de Portugal.
Portanto, O Dever de Deslumbrar mergulha na vida e na obra duma das figuras mais emblemáticas da literatura portuguesa do século XX. Com uma narrativa envolvente e rica em detalhes, a autora oferece ao leitor uma visão profunda não só da trajetória artística de Natália, mas também da sua personalidade vibrante e provocadora, que desafiou as convenções sociais e políticas da sua época. A obra é um convite a redescobrir Natália Correia sob uma nova luz, celebrando a sua contribuição inestimável à arte e ao feminismo, sem esquecer o seu papel na luta contra a opressão do regime do Estado Novo. Nascida nos Açores, dedicou-se à literatura desde jovem, tornando-se uma das vozes mais proeminentes da poesia contemporânea em Portugal. Além da sua produção literária, Natália também se destacou como uma figura pública engajada, sendo uma das fundadoras da Associação Portuguesa de Escritores e defensora dos direitos humanos e da liberdade de expressão.
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Na biografia, Filipa Martins traça um retrato multifacetado da célebre autora, destacando a sua influência incontornável na literatura e o seu papel como ativista cultural e política. Com a sua poesia incisiva e a sua prosa provocadora, desafiou os cânones literários da época e ainda se posicionou como uma voz poderosa contra a censura durante o Estado Novo e a opressão no pós 25 de Abril. A sua obra, marcada por uma estética única e uma forte carga emotiva, reverberou nas consciências de várias gerações, inspirando escritores e artistas a abraçarem a liberdade de expressão. Além disso, a sua militância em causas sociais e políticas, incluindo a defesa dos direitos das mulheres e a luta pela democracia, consolidou-a como uma figura emblemática do ativismo em Portugal, mostrando que a literatura pode muito bem ser uma ferramenta de transformação e resistência.
"A situação caricata mostra bem como, até para os contemporâneos, visitas da casa, a vida privada de Natália era um palco cheio de alçapões de ilusionista."
A motivação desta biografia parece clara: resgatar a complexidade duma figura que, embora tenha sido reconhecida como uma das vozes mais audazes da literatura portuguesa, permanece envolta em mistérios e preconceitos. Filipa Martins procura desmistificar a imagem da escritora, revelando as suas lutas, paixões e a sua incessante busca pela verdade, ao mesmo tempo que destaca a relevância da sua obra na contemporaneidade. O livro está estruturado em capítulos que se desdobram de maneira cronológica, permitindo ao leitor acompanhar a vida de Natália desde a sua infância, passando pelos momentos mais emblemáticos da sua carreira, até aos últimos anos e ao fim inevitável. A jovem autora adota um estilo de escrita envolvente, que reflete a própria sensibilidade de Natália, combinando uma pesquisa rigorosa com uma narrativa fluida que capta a essência da mulher notável que ela foi. Filipa utiliza ainda citações da própria Natália e de contemporâneos seus, enriquecendo a biografia com diferentes vozes e perspectivas.
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Inicialmente, a luta pela liberdade, no contexto histórico marcado pela repressão do regime salazarista, é um dos pilares da narrativa. A verdade é que Natália Correia foi a autora com mais obras censuradas, ao ponto de, a dada altura, bastar o seu nome na capa para impedir que fosse vendido. A autora traça um retrato duma mulher que desafiou as normas sociais da sua época e ainda inspirou a luta pela igualdade e pela justiça, revelando a intersecção entre a arte e o ativismo na construção duma sociedade mais livre e inclusiva. Também é explorada de forma incisiva a relação de Natália com a política e a sociedade do seu tempo. Enquanto no antigo regime era considerada uma esquerdista, com a chegada da liberdade, entrou em colisão com os comunistas por se manifestar contra a repressão que parecia querer mudar o pendor mas manter a ditadura. Nesses tempos quentes, passou a ser considerada fascista por alguns dos seus inimigos, mas nada se colocava entre si e o caminho que achava que era certo para o país, onde a liberdade e a democracia seriam as grandes protagonistas.
"Ela alargou as fronteiras da palavra «cultura», diluindo-a com a palavra «humanismo», abominou a mediocridade, venerou a beleza, pugnou pela diferença e sacralizou a liberdade. Imatura no desamparo perante as coisas práticas da vida, visionária no voo largo dos grandes movimentos históricos, com a sabedoria de quem vive o segundo eterno, poucos simbolizaram como ela a inquietação do século XX português."
A obra revela ainda que, para Natália, a poesia não era apenas uma forma de arte, mas uma ferramenta de combate e transformação social, capaz de desafiar o status quo e dar voz aos oprimidos. A autora também analisa como a estética e a criatividade permeavam todas as facetas da vida de Natália, desde a sua militância política até às suas relações pessoais, refletindo um compromisso inabalável com a beleza e a emoção. Assim, além de retratar a trajetória duma poetisa icónica, também ilumina a crença de Natália de que a arte tem o poder de deslumbrar, inspirar e, acima de tudo, provocar mudanças significativas no mundo. Muito habilmente, a autora entrelaça momentos da vida de Natália com as suas obras, iluminando como as suas crenças e valores se refletiram na sua poesia e no seu ativismo. A única coisa que ficou a faltar foi incluir fotografias e documentos, como estamos habituados a encontrar na grande maioria das biografias actuais. Imagino que exista um acervo disponível e que senti falta de encontrar nesta obra que se propõe colocar Natália Correia no lugar de destaque que lhe pertence por mérito próprio.
O Dever de Deslumbrar traça um retrato detalhado da vida de Natália, pessoal e profissional, e contextualiza a sua importância na cultura portuguesa do século XX. Filipa Martins consegue capturar a essência duma mulher que, com a sua ousadia e talento, desafiou normas e preconceitos no seu tempo, deixando um legado incontornável. A biografia destaca-se pela pesquisa rigorosa e pela prosa envolvente, proporcionando ao leitor uma visão abrangente da trajetória de Natália e uma reflexão sobre o poder da arte e da resistência. Em suma, é uma belíssima e merecida homenagem à vida duma grande poetisa e à sua luta contínua por liberdade e justiça. Chegada ao fim desta fascinante leitura, só te posso convidar para embarcares nesta jornada pela vida multifacetada de Natália Correia. Deixa-te deslumbrar pela sua história e pela profundidade do seu legado.
Relativamente à obra de Natália Correia, apenas li A Madona e estou a ler uma Antologia Poética com muitas das suas poesias mais famosas reunidas, mas quero muito continuar a ler mais e mais, sobretudo agora que sei mais sobre esta personagem que parecia grande de mais para este nosso pequeno e humilde país. Mas agora, quero saber a tua opinião! Já conhecias esta biografia? Já leste? Conheces o trabalho e as lutas de Natália Correia? O que pensas sobre esta figura icónica do século XX? O que leste das suas obras literárias? Conta-me tudo nos comentários!
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