Sinopse
Num bar de marinheiros em Amsterdão, um homem que se apresenta como juiz-penitente enceta conversa com um desconhecido. Entre copos de genebra e deambulações pelas ruas daquela cidade de canais concêntricos, a fazer lembrar os círculos do inferno, recorda a sua vida passada como respeitável advogado parisiense, insuperável na defesa de causas nobres e nas conquistas amorosas. Mas à medida que a confissão se desenrola as ambiguidades acumulam-se, os motivos ocultos revelam-se, os triunfos desabam.
Narrativa mordaz, de uma ironia brilhante, A Queda descreve uma viagem de decadência até às mais obscuras infâmias do homem moderno. Publicado pela primeira vez em 1956, foi o último livro de ficção lançado em vida por Albert Camus.
Opinião
Para os que acreditam que a pessoa compra livros que não lê, aqui fica o primeiro livro comprado na edição de 2022 da Feira do Livro de Lisboa que já foi lido. Está certo que é um livro curto, tem menos de cem páginas, mas é um Camus, e isso é sinónimo de profundidade e muito significado no que é dito e no que não é dito também. Estamos perante um autor que só escreve o essencial, sem grandes adornos ou distracções. Todas as palavras escolhidas por Camus, todas as frases cumprem o seu propósito, sem extras ou partes que não sejam absolutamente necessárias para a compreensão da mensagem que se pretende passar.
O cenário deste livro começa por ser um bar de marinheiros em Amsterdão, mas depois prossegue pelas ruas da cidade peculiar e que, ela própria, representa uma viagem ao inferno pelo nosso protagonista. É uma viagem que fazemos apenas com a sua voz, a única que está claramente presente no texto, mas que não é a única. O narrador numa fase inicial parece estar a fazer um monólogo, mas as marcas da linguagem mostram claramente que ele está a falar com alguém, um interlocutor que faz perguntas, observações e responde às perguntas do protagonista.
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É nesse bar de marinheiros que os dois se encontram, quando o misterioso juiz-penitente aborda o francês que está com dificuldades em se fazer entender. Ajuda-o a fazer o seu pedido ao empregado do bar e é nesse momento que, após algumas gentilezas e troca de agradecimentos, iniciam o seu diálogo e começam a travar conhecimento. No entanto, parece um conhecimento unilateral, pois ficamos a saber muito pouco sobre este subentendido interlocutor, apenas que também veio de Paris. Não sabemos o nome, o que está a fazer em Amesterdão, o que faz da vida, se tem família, se viaja sozinho. Em suma, a sua presença só serve para que o protagonista nos fale e conte a sua história.
"Cismo, por vezes, no que dirão de nós os futuros historiadores. Bastar-lhes-á uma frase para definir o homem moderno: fornicava e lia jornais. Depois desta forte definição, o assunto ficará, se assim me posso exprimir, esgotado."
Assim, vamos conhecendo mais sobre o protagonista, sobre a vida que levava em Paris como advogado brilhante, que fazia sucesso entre as mulheres, embora sem estabelecer relações duradouras com nenhuma. Inicialmente, ficamos a conhecer o seu lado mais positivo, os sucessos, as suas boas acções, a forma como os outros o olhavam como um exemplo e um caso de sucesso irrefutável, como ganhava as causas mais difíceis. O auto-elogio procede durante várias páginas, como uma elegia da perfeição da sua vida passada.
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O enredo acontece em apenas 5 dias, com uma falsa tranquilidade que se transforma numa urgência, quando o auto-elogio dá lugar à confissão. Com a exposição dos momentos-chave que o levaram a colocar em causa a sua forma de viver e a contar-nos os seus podres interiores que não eram visíveis aos demais, percebemos que decidiu desmontar a imagem exterior que projectava para os outros. É nesse momento que o discurso se adensa e somos confrontados como as aparências podem enganar, pois os indivíduos mais brilhantes podem esconder um interior repugnante.
"Os mártires, caro amigo, têm de escolher entre serem esquecidos, escarnecidos ou utilizados. Quanto a ser-se compreendido, isso nunca."
Como sempre, o que Camus nos provoca são questões, dúvidas existenciais e morais, assombramento ao sermos apresentados a aspectos obscuros das pessoas mais comuns, que poderiam encontrar-se ao nosso lado, na vida banal de todos os dias. Quanto mais leio este autor, mais quero ler, mais quero descobrir, mais vontade tenho de descobrir tudo o que nos quis dizer. Já leste alguma obra de Albert Camus? Qual o teu favorito? Conta-me tudo nos comentários!
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