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terça-feira, 6 de agosto de 2024

#Livros - O Som e a Fúria, de William Faulkner

 

Capa do livro "O Som e a Fúria" de William Faulkner, publicado pela Dom Quixote. A imagem apresenta uma casa em um fundo em tons de laranja, criando uma atmosfera quente e melancólica. À frente, sombras de ramos de árvores se entrelaçam, sugerindo um ambiente de introspecção e complexidade emocional, refletindo os temas profundos da obra.

Sinopse

O Som e a Fúria é a tragédia da família Compson, apresentando algumas das personagens mais memoráveis da literatura: a bela e rebelde Caddy, Benjy, o filho varão, o assombrado e neurótico Quentin; Jason, o cínico brutal, e Dilsey, a criada negra. Com as suas vidas fragmentadas e atormentadas pela história e pela herança, as suas vozes e ações enredam-se para criar o que é, sem dúvida, a obra-prima de Faulkner e um dos maiores romances do século XX. William Faulkner afirmou muitas vezes que O Som e a Fúria era o romance mais próximo do seu coração porque era o que lhe tinha causado mais sofrimento e angústia a escrever. Neste magnífico romance, publicado pela primeira vez em 1929, Faulkner criou «a menina dos seus olhos», a bela e trágica Caddy Compson, cuja história nos conta através dos monólogos separados dos seus três irmãos: Benjy, o idiota; Quentin, o suicida neurótico; e o monstruoso Jason. 

O Som e a Fúria é o seu quarto romance e a primeira das suas obras-primas indiscutíveis, aquela que, mais do que qualquer outra, confirmou Faulkner como figura central da literatura do século. 


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Opinião 

William Faulkner, um dos mais proeminentes escritores do modernismo americano, nasceu em 1897 em New Albany, e tornou-se numa figura central na literatura do século XX. A sua obra é marcada por experimentações narrativas e uma profunda exploração da condição humana, especialmente em relação à memória, tempo e à complexa história do sul dos Estados Unidos. Faulkner recebeu o Prémio Nobel da Literatura em 1949, reconhecimento que consolidou a sua importância e influência na literatura mundial. O Som e a Fúria, que marca a minha estreia com este autor consagrado, publicado em 1929, exemplifica a sua técnica inovadora, utilizando múltiplos pontos de visto e fluxo de consciência para retratar a decadência da família Compson. A habilidade de Faulkner para tecer questões sociais e psicológicas nas suas narrativas fez dele uma voz indispensável na literatura, desafiando leitores a confrontar a complexidade da vida e as verdades ocultas sob a superfície da realidade. 


O motivo para começar por este livro, além de ter estado com um preço muito simpático na Feira do Livro de Lisboa 2024, está relacionado com ser a obra mais emblemática do autor e ser um marco do modernismo literário. Passado no sul dos Estados Unidos, na fictícia cidade de Yoknapatawpha, o livro explora a família Compson, refletindo as mudanças sociais e culturais do período e revelando as angústias, as memórias e as percepções distorcidas dos personagens. Através da narrativa fragmentada e das múltiplas perspectivas dos personagens, o livro aborda temas como a desintegração do sul dos Estados Unidos, a perda da identidade e a luta contra a decadência moral. Deste modo, a história da família Compson, marcada pelo passado de glórias e pelo presente de fraturas emocionais, revela a angústia e a desesperança dos seus membros num contexto de mudança social e cultural, refletindo as crises pessoais e coletivas que permeiam a existência humana. 


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A história é dividida em quatro capítulos, cada um deles apresentando perspectivas distintas e complexas, destacando os dilemas e as tragédias dos personagens principais. O mais desafiador é logo o primeiro, Benjy, o filho mais velho, com uma doença mental que nos entrega o seu fluxo de consciência caótico e incoerente, numa fase onde ainda não entendemos bem o que o envolve e os motivos. Depois, segue-se Quentin, o irmão seguinte, angustiado duma forma profunda e destruidora. No terceiro capítulo, temos o tóxico Jason, que encarna o cinismo e a corrupção moral. Só no fim temos um narrador na terceira pessoa que nos oferece uma visão mais abrangente do cenário onde vamos passeando nos capítulos anteriores, mas que está longe de entregar todas as respostas. À medida que a narrativa se desenrola, Faulkner explora temas como o tempo, a identidade e a desilusão, revelando os impactos devastadores de traições e expectativas sociais nas vidas destes personagens, entregando um retrato profundo e emocional da decadência duma era e duma família. 


"Porque, como ele dizia, nenhuma batalha se pode considerar ganha. Nem sequer travada. O campo de batalha apenas revela ao homem a sua própria loucura e desespero, e a vitória é uma ilusão de filósofos e de loucos." 


Além dos três rapazes, temos Caddy, a única filha, e que é o pivô das angústias da família, simbolizando tanto a perda da pureza quanto o desejo de liberdade numa sociedade marcada por convenções rígidas. As dinâmicas familiares revelam um retrato angustiante da desintegração moral e emocional, onde amor, ciúme e culpa se entrelaçam, criando um ambiente de melancolia e reflexão sobre o tempo e a memória, ambos muito subjectivos. O autor, através desta sua estrutura inovadora e do seu estilo lírico, consegue capturar a essência desta família, tornando-a um microcosmo das mudanças e conflitos do mundo ao seu redor. Com O Som e a Fúria temos um exemplo magistral da técnica da não linearidade, utilizado por Faulkner para desestruturar a cronologia tradicional e refletir toda a complexidade emocional e psicológica dos personagens. A multiplicidade de vozes presente na obra não apenas revela as percepções individuais e subjectivas, mas também provoca um diálogo entre passado e presente, intensificando a sensação de desolação e tragédia. 


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Através deste olhar fragmentado dos personagens, Faulkner desafia o leitor a juntar os pedaços duma história familiar em declínio, utilizando o fluxo de consciência para capturar a confusão da mente humana. É inegável que o seu estilo inovador e complexo veio desafiar as convenções narrativas tradicionais e pode provocar alguma confusão no leitor inicialmente, mas vale muito a pena persistir na leitura. A sua linguagem poética, com descrições vívidas e metáforas elaboradas, eleva os temas da obra a um nível lírico, transformando a tragédia pessoal numa meditação sobre a passagem do tempo e a decadência moral. É precisamente esta complexidade que desafia o leitor e exige uma atenção redobrada para retirar todos os detalhes desta narrativa única. No fundo, a habilidade de Faulkner em articular a beleza da linguagem com a profundidade psicológica cria uma experiência literária rica e multifacetada, onde cada página revela novas nuances e interpretações. 


"Nunca prometo nada a uma mulher para ela não saber quanto lhe vou dar. É a única maneira de as ter na mão. Mantê-las na expetativa. E se não nos ocorrer melhor maneira de as surpreendermos, é dar-lhes um murro nos queixos." 


Cada personagem é afetado de maneira única pelos traumas e os desafios enfrentados, refletindo a desintegração moral e emocional duma sociedade em transformação, cada um da sua forma particular. Benjy, com a sua percepção primitiva e emocional, reflete a inocência perdida e a tristeza da degradação familiar. A figura de Quentin, marcado pela obsessão com a honra e a feminilidade da irmã Caddy, simboliza a incapacidade de escapar dum passado doloroso, culminando na sua trágica autodestruição. Caddy, o verdadeiro elo de ligação entre os irmãos e que é sempre retratada pela visão dos outros, representa tanto a vitalidade quanto a queda moral do clã, sendo o seu amor e o desejo de liberdade tragicamente frustrados pelas normas sociais e familiares. Jason, por sua vez, encarna o cinismo e a amargura, revelando o lado mais egoísta e corrosivo da família, que se transforma numa sombra do que já foi. 


Esta leitura de O Som e a Fúria foi uma experiência profundamente impactante e desafiadora. As emoções despertadas foram intensas: a dor da perda, a luta contra o tempo e a inevitabilidade da mudança ressoaram em mim duma maneira visceral. O ambiente decadente da família Compson refletiu as fragilidades humanas e as relações complexas, obrigando a uma reflexão sobre a passagem do tempo e a perda de valores. No entanto, o estilo de Faulkner também apresentou desafios e obrigou-me a uma concentração redobrada para tentar assimilar o máximo de pormenores, ainda que tenha consciência que muito deixei passar, o que significa que estamos perante um livro que precisa de ser relido. Em suma, estamos perante uma obra monumental que não só redefiniu a narrativa moderna, mas também aprofundou a compreensão da condição humana e da complexidade das relações familiares. O romance torna-se numa reflexão poderosa sobre a perda, o sofrimento e o inexorável avanço do tempo, destacando a luta entre o passado e o presente. 


A relevância desta obra estende-se muito além da sua época, pois oferece aos leitores uma visão íntima e angustiante das falências pessoais e sociais, que ecoam nas realidades contemporâneas. Não é à toa o lugar essencial que ocupa na literatura mundial, e só posso recomendar este livro para os amantes da literatura moderna, estudantes de teoria literária e todos aqueles que se interessam por narrativas complexas e experimentais. Agora quero-te convidar a partilhares as tuas impressões sobre esta obra. Já leste O Som e a Fúria? O que sentiste com esta leitura? Identificaste-te com algum dos personagens? O que achaste do estilo peculiar do autor? Conta-me tudo nos comentários abaixo! 


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Wook | Bertrand 

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