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terça-feira, 2 de abril de 2024

#Livros - Cebola Crua com Sal e Broa, de Miguel Sousa Tavares

 

Na capa do livro "Cebola crua com sal e broa", de Miguel Sousa Tavares, uma ilustração do mar tranquilo e do céu azul se encontram em perfeita harmonia. As águas calmas refletem o brilho do sol em tons dourados, enquanto nuvens fofas e brancas pairam no céu. Em letras brancas, destacam-se o título do livro e o nome do autor, ressaltando a serenidade e a poesia que permeiam as memórias narradas ao longo das páginas da obra. A imagem convida o leitor a embarcar em uma jornada nostálgica e emotiva, repleta de lembranças da infância até a idade adulta.

Sinopse

Eterno contador de histórias, o autor dá vida aos seus primeiros anos: da infância à juventude, dos jornais à política. O testemunho de uma vida única, com a História contemporânea de Portugal como fundo. 

Uma quinta no Marão e a escola igual para todos. Os Verões nas praias da Granja e de Lagos. «Melville» e a pesca da lula «ao candeio». Uma casa diferente e alternativa. Marcelo e as lutas estudantis. O pai e o 25 de Abril. A PIDE e as loucuras do PREC. O trabalho no Estado. A liberdade nos jornais e o fascinante mundo da televisão. Soares, Guterres e Sócrates. As paixões pelo jornalismo e pela literatura. As promessas de vida cumpridas e as juras por cumprir... 

«Pode um homem viver impunemente começando a sua infância numa aldeia do Marão, comendo cebola crua com sal todas as merendas? Daí saltar para o mundo cinzento e as manhãs submersas da vida salazarenta da Lisboa dos anos sessenta? Acordar na manhã luminosa do 25 de Abril e descobrir que, afinal, éramos todos antifascistas e revolucionários e, logo depois, ir ao encontro do mundo e descobrir-se a si mesmo como uma testemunha privilegiada de tempos incríveis que, não os narrando, teria sepultado para sempre na cinza dos dias inúteis? Declaro que vi. E, por isso, conto. Antes que a água tudo lave e apague.» 


Buy Me A Coffee

Opinião 

Miguel Sousa Tavares é um reconhecido e polémico escritor português, jornalista e advogado, nascido em 1952. Filho do famoso político português Francisco Sousa Tavares, Miguel seguiu os passos do pai na carreira como advogado e passou com sucesso pelo jornalismo antes de se dedicar integralmente à escrita, actvidade da sua também famosa mãe, Sophia de Mello Breyner Andresen. Com a sua prosa marcante e envolvente, Miguel Sousa Tavares tem conquistado leitores em todo o mundo, especialmente com obras como Equador e Rio das Flores. A sua habilidade para retratar a realidade social e humana duma forma sensível e cativante tornam-no num dos escritores mais respeitados da literatura contemporânea. 


Em Cebola Crua com Sal e Broa, Miguel Sousa Tavares apresenta-nos as suas memórias mais remotas, duma forma sensível e envolvente, até chegar à idade adulta e à vida profissional variada que teve oportunidade de experimentar. É uma viagem fascinante, esta que fazemos com o autor pela sua infância, povoada de figuras icónicas e famosas, a começar pelas que vivem dentro da sua casa, como é o caso do pai e da mãe. As dificuldades económicas dos pais nos primeiros anos de vida dos filhos ficam expostos com clareza, o que se traduz na sua ida para a terra onde lhe davam a iguaria que dá nome ao livro e que se tornou no seu lanche favorito. São estes anos que o colocam muito mais como um homem do Norte, ainda que criado em Lisboa, e que o fazem sentir estranho no regresso à capital. 


Podes ler também a minha opinião sobre Equador


Com a sua escrita cativante e detalhada, o autor faz-nos sentir as suas dores, alegrias e experiências de forma intensa e profunda. Depois da sua experiência numa aldeia do Norte de Portugal, regressa a Lisboa e ao convívio familiar, num tempo ainda de repressão do regime. É quase um registo histórico da última metade do século XX, com as suas impressões do que era viver na Lisboa dos anos sessenta e setenta, antes do 25 de Abril, num meio onde lidava em casa com muitos dos que eram a resistência contra a Ditadura. O seu retrato cru das figuras familiares é fascinante, mas também sobre alguns dos protagonistas do futuro, como Marcelo Rebelo de Sousa ou Jorge Braga de Macedo, que conheceu na Universidade, ou tantos outros nos anos que se seguiram e que conheceu durante o seu trabalho como Jornalista, sobre os quais nos oferece opiniões acutilantes e até controversas. 


"Não cumprimos todos os sonhos da vida, mas cumprimos alguns - desde que, de facto, tenhamos sonhado com eles e ido, intensamente, à procura de os tornar realidade." 


No âmbito familiar, senti falta de saber mais sobre os seus irmãos, mas entendo a sua necessidade de os preservar, sobretudo por serem filhos de figuras públicas e que viveram num ambiente fora da norma da época. Isso fica claro nos seus relatos pessoais, do que acontecia em sua casa e que sabia que não era normal acontecer na casa dos amigos. Mas também é comovente ver os seus trechos sobre a mãe, onde se nota claramente um profundo amor e admiração, um respeito gigante por esta mulher que viveu segundo as suas regras, seguindo as suas vontades, decidindo conforme as circunstâncias e o que achava ser melhor para todos, mas sem nunca esquecer o seu caminho individual. A figura do pai também tem o seu destaque, embora o mais forte seja no momento do 25 de Abril. Aliás, o seu relato desse momento histórico é do ponto de vista do que sentiu como um privilégio merecido que o seu pai pudesse ter assistido e até participado a dada altura desse golpe que devolveu a liberdade a um país. 


Podes ler ainda a minha opinião sobre Rio das Flores


Depois, passamos para relatos sobre a sua vida profissional, onde são revelados os bastidores das redações e das televisões, bem como impressões sobre figuras importantes que entrevistou. As viagens também marcam presença neste livro, como não poderia deixar de ser. O deserto continua a ser uma parte essencial do autor, mas também temos viagens à floresta amazónica ou a Madrid ou à Roménia, com relatos ricos, coloridos, com cheiro e ainda com fortes contextualizações do momento político que era vivido nesses países. As suas incursões no Estado e na RTP fornecem vários retratos polémicos, tanto do próprio sistema que propicia à mediocridade, como também das principais figuras com quem se cruzou nesse seu percurso profissional. 


"Porque isso foi, de facto, toda a sua agenda de vida: desorganizar a ordem estabelecida do que quer que fosse. Em vão, procurou toda a sua vida um mínimo de ordem, que suspeitava ser conveniente, mas para a qual jamais foi fadado. Deu à minha mãe uma vida de sobressalto e a si próprio um desgaste sem fim. Mas deve ter-se divertido em grande!" 


Por fim, depois de nos contar sobre a sua experiência numa aldeia do Norte, no Porto e a juventude em Lisboa, é chegada a vez de nos exortar sobre os encantos do Algarve. Pessoalmente, não é uma região a que tenha ligações afectivas, mas é impossível ignorar o seu relato e não entender os motivos que o encantavam nessas viagens anuais. O seu Algarve é em Lagos e ofereceu um belo contraste com as praias de água gelada no norte do país. Revelou-se um momento de abertura para uma parte de Portugal até então desconhecida e que oferecia uma série de atrativos novos e estimulantes para um jovem adolescente. Um dos aspectos mais interessantes de todos os capítulos é a capacidade do autor de transitar entre passado e futuro, contando histórias e curiosidades, sem nunca perder a atenção do seu leitor. Pela proximidade de tempo e das figuras envolvidas, pelos círculos de gente conhecida que frequenta desde a infância, este livro de memórias torna-se uma delícia de se ler, como um convite para uma época que está mesmo atrás da porta, mas não vivemos. 


Ao longo da leitura de Cebola Crua com Sal e Broa, somos transportados para um mundo rico de detalhes e de emoções. A escrita de Miguel Sousa Tavares é sempre envolvente, cativante e provocadora. Este é o livro certo para quem gosta de livros de memórias e quer saber mais sobre os anos quentes vividos em Portugal antes e depois do 25 de Abril, mas também para quem tem uma opinião formada sobre este autor pelas suas declarações enquanto jornalista e comentador e não tem em consideração as suas origens e ainda não entrou em contacto com a sua escrita, e aqui tem oportunidade de descontruir essa imagem e de permitir-se ler outros livros deste autor polémico mas incrivelmente talentoso. Já conheces este livro de Miguel Sousa Tavares? O que achaste das suas memórias? O que mais te impressionou? Que outros livros do autor leste e recomendas? Deixa o teu comentário abaixo para conversarmos sobre este livro e sobre este autor! 


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Wook | Bertrand 

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