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terça-feira, 24 de outubro de 2023

#Livros - A Madona, de Natália Correia

 

Na imagem, podemos observar a capa do livro "A Madona", escrito por Natália Correia e lançado em 1968. A capa possui um tom nude suave e elegante, proporcionando uma atmosfera delicada e sofisticada. Em letras pretas, destacam-se o título do livro, "A Madona", e o nome da renomada autora, Natália Correia, conferindo um contraste marcante e estabelecendo uma presença visual impactante. A combinação das cores e a escolha da tipografia transmitem uma sensação de serenidade e mistério, convidando o leitor a desbravar os segredos e reflexões presentes nesta obra literária.

Sinopse

Com o romance A Madona (1968), Natália Correia, anteriormente desvinculada de qualquer grupo literário, situa-se nas proximidades da vanguarda surrealista. Caracterizada por uma prosa harmoniosa e pessoal, a narrativa revela a resoluta imaginação da autora, a sua paixão pela beleza dos mitos helénicos e a intensa espiritualidade que, de uma perspectiva mística laica, impregna toda a sua obra. A influência "mágica" do surrealismo implicará uma conjunção de erotismo feminino e amor capaz de recuperar dimensões poderosas e reveladoras, que se materializam na figura da "Mátria". 

No romance, que não deixa de ser combativo e idealista, também existe uma extraordinária meditação individual e é evidente a presença da memória, a angústia, o pesar e a alegria de viver. Com este livro, Natália Correia alcançou pela primeira vez uma relativa popularidade, sem dúvida merecida para uma escritora que hoje é uma referência ideológica e artística, e que soube combinar a mais elevada literatura com postulados feministas e progressistas. 


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Opinião 

A Madona, obra lançada em 1968 pela escritora açoriana Natália Correia, destaca-se como um marco na literatura da época, apresentando uma narrativa intensamente poética e provocadora, que mergulha o leitor num universo repleto de simbolismos e questões sociais e culturais. Contextualizada no período da ditadura no Portugal de Salazar, a obra desafia as convenções sociais e aborda temáticas como a sexualidade feminina, a repressão e a liberdade individual. Com uma linguagem poética e uma escrita visceral, Natália Correia revela-se uma autora à frente do seu tempo, que ousou explorar tabus e quebrou paradigmas literários numa época conservadora. 


Apresentando um enredo complexo e envolvente, com vários saltos temporais entre passado e presente, e que se passa em locais totalmente opostos, a cosmopolita Paris, e uma terra pequena portuguesa perto da montanha, com uma forte componente rural, permeada por personagens carregados de emoções intensas. A trama gira em torno de Branca, uma jovem mulher de singular beleza e sensualidade, cuja vida é marcada pela busca incessante de liberdade e paixão. Ao explorar temas como política, arte e espiritualidade, Natália Correia conduz o leitor por um caminho intrincado de amor e desilusões, revelando a luta constante da protagonista em ser ela mesma, num mundo opressor e conservador, incentivada por uma mãe que não desejava que a sua filha tivesse uma vida semelhante à sua. 


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Este é um livro desafiante e, de certa forma, difícil de acompanhar. Não é uma leitura leve, que podemos ir lendo, sem lhe dedicar toda a atenção, pois poderá não permitir que seja entendida a narrativa e todos os desdobramentos, nem compreendidos todos os temas explorados de forma brilhante pela autora e que têm o propósito de provocar e de fazer pensar os leitores em assuntos como a identidade e a liberdade feminina, imperativos na época da publicação e que continuam actuais nos dias de hoje. A autora explora as diferentes facetas da mulher e as lutas enfrentadas por elas para se libertarem das amarras sociais e culturais impostas pela sociedade patriarcal. Assim, ao longo das quase duzentas páginas, Natália Correia retrata personagens femininas fortes e empoderadas, que buscam a sua emancipação e autenticidade, enfrentando tabus, preconceitos e desafios constantes. 


"O espírito é um brinquedo que a natureza deu aos homens para eles brincarem aos deuses."


Através de diálogos instigantes, a autora questiona as normas sociais que aprisionam as mulheres, destacando a importância - e a dificuldade - de quebrar as correntes e reivindicar os seus espaços de liberdade e de expressão. O livro A Madona tornou-se numa obra atemporal que oferece uma reflexão profunda sobre a identidade e a liberdade feminina, despertando consciências para a necessidade de igualdade e justiça de género. A escrita sofisticada e poética de Natália Correia fica aqui evidente, com o uso de um estilo rebuscado e cuidadosamente construído, repleto de metáforas e imagens poéticas, que conferem uma atmosfera densa e misteriosa à narrativa. A profundidade das suas descrições e a sensibilidade com que aborda temas como amor, sexualidade e religiosidade, revelam a habilidade notável da escritora em explorar a linguagem de forma única e envolvente. Deste modo, a autora presenteia-nos com uma escrita exuberante, capaz de transportar o leitor para um mundo de emoções intensas e questionamentos existenciais. 


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Outro dos aspectos fascinantes desta obra é a profundidade e complexidade psicológica das personagens que nos obrigam a reflectir, por vezes, em assuntos pouco frequentes. Ao longo da narrativa somos apresentados a figuras intrigantes e intensas, como a protagonista Branca ou o seu namorado Miguel, cujas personalidades vão além da superfície. A autora explora com maestria os intrincados labirintos da mente humana, desvendando as motivações, as contradições e as angústias que permeiam as suas acções. A riqueza psicológica das personagens e os seus conflitos interiores são uma das principais características deste romance e um dos motivos que torna a sua leitura tão especial. Depois, temos a discussão sobre a sensualidade e o desejo como elementos libertadores, tão intensa quanto provocadora. Apesar de apresentar a sensualidade como uma força vital e transformadora, capaz de romper com as amarras sociais e despertar a consciência dos personagens, tornando-os mais livres e autênticos, ainda assim existe uma necessidade de regressar às origens com a chegada do entendimento de que, quando forçadas, as decisões libertadoras podem ser novas prisões. 


"O pranto das mulheres, ora confuso e longínquo como um choro ensopado no fundo de um poço, ora espumando como o leque da música de um órgão a abrir-se numa catedral, é o espasmo de um coração sangrando no peito nu da noite." 


A Madona causou um impacto significativo na literatura portuguesa da época. Ao abordar temáticas consideradas tabu para a sociedade conservadora da ditadura, o livro rompeu com os paradigmas estabelecidos. Além disso, a linguagem poética e provocadora utilizada pela autora contribuiu para uma verdadeira revolução estética na literatura portuguesa. Por incrível que possa parecer, mesmo passados mais de cinquenta anos desde a sua publicação, ainda nos deparamos com situações e desafios semelhantes, num mundo onde as mulheres são constantemente cerceadas e julgadas pela sua aparência, pelas suas atitudes e pelas suas escolhas. Portanto, com a sua prosa visceral e provocativa, a autora apresenta questões ainda actuais como o machismo, a opressão feminina e a luta pela liberdade individual. 


Agarrei neste livro em Setembro por causa da comemoração do centenário de Natália Correia e também porque se encontra no Guia para 50 Personagens da Ficção Portuguesa, uma espécie de projecto de leitura que iniciei recentemente e para o qual te convido a juntares-te e descobrir grandes obras nacionais e os seus melhores personagens. Em A Madona, despindo-se de tabus e convenções, Natália Correia revela-nos uma visão crítica sobre a sociedade e uma reflexão profunda sobre o papel da mulher na contemporaneidade, o que torna esta leitura interessante, desafiante e muito enriquecedora. Se gostas de desafios intensos e transformadores, tens de descobrir este romance da grande Natália Correia e mergulhar nas suas complexas reflexões. Já conhecias este romance? O que já leste da autora? Deixa o teu comentário abaixo, com as tuas opiniões, reflexões e até outras sugestões literárias e vamos enriquecer esta discussão e explorar juntos as camadas profundas deste romance atemporal! 


Esta obra está esgotada, infelizmente, mas podes encontrar ainda alguns exemplares no Marketplace da Wook, enquanto uma nova edição não chega às livrarias. 

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