Sinopse
Doutor Jivago é a grande saga épica e maravilhosa da Rússia da primeira metade do século XX, narrada através da inesquecível história da vida e dos amores de um poeta, filósofo e médico nos dias turbulentos da revolução. Iuri Andréievitch Jivago decide levar a família de Moscovo para os montes Urais, na expectativa de aí encontrar maior segurança, mas acaba por se ver não só no centro da batalha entre as frentes branca e vermelha mas também dividido entre a sua casa e o amor desmedido pela bela enfermeira Lara.
Este que é considerado o maior romance da Rússia pós-revolucionária foi publicado originalmente em 1957, um ano antes da atribuição do Prémio Nobel da Literatura ao seu autor, mas, banido pela censura do Partido Comunista, teria de aguardar trinta anos para ser lido no país de Pasternak.
A obra foi adaptada ao cinema, em 1966, pelo realizador David Lean, com o actor Omar Sharif no papel principal. Esta edição conta com a tradução de António Pescada feita directamente do russo.
Opinião
A minha viagem pelos autores russos continua de vento em popa e cada vez me sinto mais à vontade com as suas narrativas, o seu estilo e, neste momento, sinto-me rendida ao talento destas pessoas. Desta vez, iniciei-me na obra de Boris Pasternak, com o seu aclamado romance Doutor Jivago. Trata-se de um dos escritores mais reconhecidos da União Soviética no século XX. Nascido em Moscovo em 1890, Pasternak foi influenciado pela sua família de artistas e intelectuais, o que se reflecte na sua abordagem artística e filosófica nas suas obras literárias. A sua produção literária, que incluí poesia, peças de teatro e romances, aborda temas como amor, transcendência e a difícil relação entre o indivíduo e o Estado totalitário.
A história da publicação de Doutor Jivago é repleta de curiosidades interessantes. O romance enfrentou muitos obstáculos antes de ser publicado. Inicialmente, Pasternak submeteu o manuscrito à União de Escritores Soviéticos, mas teve a sua obra recusada devido ao conteúdo crítico ao regime comunista. No entanto, um amigo próximo de Pasternak, que também era um importante editor, decidiu enviar o manuscrito para uma editora italiana. A obra foi então publicada pela primeira vez em Milão, em 1957, e acabou por ganhar o Prémio Nobel de Literatura no ano seguinte, o que causou uma grande polémica. A União Soviética ficou indignada com o facto de um escritor russo ser reconhecido internacionalmente e proibiu a sua publicação no país até 1987, quando o regime comunista começou a desmoronar-se. Esta proibição gerou um mercado negro de cópias contrabandeadas na Rússia, o que só demonstra a paixão dos russos pela obra de Boris Pasternak e a sua importância cultural.
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Ambientado na Rússia durante a Revolução Russa e subsequente Guerra Civil, o livro Doutor Jivago transcende a mera narrativa romântica e retrata fielmente o panorama político e social da época. A trama desenrola-se entre os anos de 1903 e 1923, período marcada por um intenso conflito entre as facções bolcheviques e anti-bolcheviques, bem como por grandes transformações na sociedade russa. Através da visão de Yuri Jivago, um médico e poeta que vive os horrores da guerra, o autor oferece uma visão panorâmica das consequências devastadoras da revolução e das injustiças sofridas pelos indivíduos comuns. Além disso, a obra também aborda temas como a busca pela identidade pessoal e a luta pela sobrevivência em tempos turbulentos, o que a torna numa leitura cativante e profundamente reflexiva.
"O mujique sabe muito bem o que quer, mas não quer o mesmo que nós, e aí é que está a diferença. Quando a revolução veio ele acordou e supôs que se iam realizar os seus sonhos seculares de vida individual, de existência anárquica de pequeno proprietário que tudo deve ao seu trabalho, que não depende de ninguém nem tem obrigações para com ninguém. Mas, liberto das garras do antigo Estado, passou a sentir-se apertado no torno ainda mais asfixiante do super-Estado revolucionário. Eis a razão por que o campo se agita e não é fácil acalmá-lo."
Tudo começa na infância de Yuri, quando a sua mãe morre e é levado para viver com a família paterna. Este momento traumático marca, afinal de contas, o final da sua inocência e o início da sua vida como jovem capaz de pensar por si próprio. As experiências da juventude e alguns encontros são determinantes para o homem que será e para as relações que irá estabelecer ao longo dos anos. A sua personalidade é peculiar e bem diferente do que vemos à sua volta, talvez por ter a educação científica de um médico aliada à alma sensível de um poeta. As suas opiniões estão, na maioria das vezes, isentas de paixões políticas ou nacionalistas, sendo, por isso, capaz de analisar friamente o que se passa à sua volta, o que o torna inimigo de todos os lados da Guerra Civil, pois nunca parece estar de nenhum dos lados da barricada.
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A sua vida é contada ao mesmo tempo que se contam os acontecimentos da Rússia, com as mudanças de um e de outro sempre de mãos dadas. Os altos e baixos são recorrentes, depois da ascensão inicial, com uma carreira bem sucedida como médico, um casamento muito proveitoso, com uma mulher com quem cresceu e sentia uma afeição sincera, que se traduzia numa situação financeira estável e a consequente e óbvia criação da sua própria família. Pelo meio desta vida perfeita, intromete-se a guerra e o recrutamento do médico para a frente, que o volta a colocar na presença de uma mulher que conheceu quando era muito novo e que desde essa altura lhe provocou uma forte impressão pela sua beleza extraordinária e pela história de vida pouco feliz. Lara está também na guerra como enfermeira, depois do seu marido ter desaparecido e estar dado como morto, ainda que a jovem não tenha acreditado neste desfecho.
"O seu cativeiro não era diferente de tantas outras formas de constrangimento que a vida impõe a todos os homens. Essas numerosíssimas formas, invisíveis, impalpáveis, irreais, fictícias, quiméricas! Mas apesar da ausência de cadeias e de guardas, Jivago tinha de se submeter a uma situação de prisioneiro só na aparência imaginária."
Os destinos destes dois, Jivago e Lara, parecem estar ligados de forma inexplicável, reencontrando-se por diversas vezes e em diferentes circunstâncias ao longo de todo o livro. Ao contrário do que tem sido a minha experiência com outros autores russos, com Pasternak não senti alívios cómicos, momentos leves ou descontraídos. O ambiente é sempre pesado, como se o abismo e a desgraça estivesse sempre prestes a surgir ao virar da próxima página. Ainda assim, a sua prosa é poética de tão bela, pela forma como constrói imagens extraordinárias, mesmo quando são tristes ou melancólicas. Parece um romance, mas é muito mais um relato provido de esperança sobre o que aconteceu na Rússia naquela época, onde o protagonista serve como pretexto para se relatar as misérias que atingiam a grande maioria das classes no país, fossem proprietários ou trabalhadores.
Apesar das diferenças relativamente a outros autores russos, achei uma leitura acessível, sem linguagem complicada ou de difícil compreensão. Os saltos temporais talvez sejam o maior desafio, mas oferecem um ritmo mais acelerado à narrativa que nos obriga a continuar a ler, sem ter a menor ideia do que irá vir em seguida. Para os amantes de poesia, têm ainda o bónus de, no final do livro, encontrar os poemas escritos por Jivago durante os eventos que nos são contados sobre a sua vida e que sabemos terem sido publicados mais tarde. No entanto, se ainda precisas de mais incentivos para ler Doutor Jivago, vai ver o vídeo da Tatiana Feltrin, que foi a responsável por ter despertado o meu interesse por este livro e este autor.
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