Sinopse
Estão aqui reunidas as cinco «Histórias de Petersburgo»: «Avenida Névski (1834), «Diário de um Louco» (1834), «O Nariz» (1836), «O Retrato (1841) e «O Capote» (1841). Acrescentou-se «A Caleche» (1836), pequeno conto que alguns autores integram neste ciclo. Trata-se do chamado «segundo período» da obra do autor, que se seguiu ao período das histórias ucranianas, «Noites na Granja ao pé de Dikanka» e «Mirgorod».
Estes contos do fantástico-real (ou real-fantástico?), integrando o humor e a sátira inconfundíveis de Gógol, tiveram grande influência no ulterior desenvolvimento da prosa literária russa e, também, no de todas as literaturas ocidentais. A modernidade das propostas de Gógol continua mais viva do que nunca nestas histórias em que a personagem principal é a cidade de Petersburgo: mesquinha, sufocante, ridícula, irrisória e ilusória.
Opinião
Nos tempos conturbados que vivemos, nada como relembrar que a Rússia tem muitas coisas boas para nos dar que vão muito além de conflitos e delírios de um ditador lunático. Neste caso particular de Gógol, estamos perante um escritor russo que nasceu numa província que hoje faz parte da Ucrânia, o que vem mostrar o quanto os dois países estão unidos e deveriam ser mais irmãos do que rivais. Ou, pelo menos, com uma rivalidade mais saudável, como a nossa com os nossos vizinhos espanhóis.
A minha curiosidade sobre Gógol surgiu quando ouvi falar pela primeira vez de Almas Mortas e desde então a ideia de ler este autor, que é considerado o percursor do romance russo como o conhecemos, nunca mais me saiu da cabeça. Portanto, quando encontrei esta colectânea de contos deste autor em promoção na Fnac, não resisti a trazê-la para casa. São seis contos, cada um melhor que o outro e que nos revelam um estilo que se foca mais no cenário, nos objectos, nas roupas, do que nas personalidades dos seus personagens.
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A verdadeira protagonista é a cidade de São Petersburgo, criada pelo capricho do famoso czar Pedro, o Grande, e que se transformou num lugar sombrio, muito frio, sempre com uma forte neblina, povoado pelos muitos miseráveis e pelos funcionários públicos cujos cargos foram criados para que a cidade fosse povoada mais rapidamente. Este sistema burocrático russo no século XIX era um entroncado labirinto, com cargos e mais cargos, patentes e nomenclatura imitada da militar, onde as pessoas procuravam escalar através das relações sociais, mais do que pela competência.
"Os sonhos acabaram por se tornar a vida dele e, desde então, a sua existência tomou um rumo estranho; pode dizer-se que dormia acordado e estava de vigília no sono."
Dos contos deste volume, o meu favorito é, por uma grande margem, O Retrato. Penso que deve ser o maior, dividido em duas partes, e conta a história de um pintor talentoso e com poucos recursos financeiros que, num impulso que nem consegue explicar, compra um retrato peculiar numa loja da cidade. O retrato tem um olhos que parecem nos perseguir e que contém uma carga que assusta. O artista descobre dinheiro no quadro e a sua vida transforma-se de uma forma inesperada e que está longe do que tinha sonhado quando era um simples aprendiz.
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Destaco também o Diário de um Louco que, como o nome indica, trata-se de um diário, com entradas escritas em diferentes datas, pelo nosso protagonista. Mais um funcionário público que parece um cidadão normal, com as suas peculiaridades e sem noção da sua insignificância. Só que o fantástico começa a sério quando o nosso Aksénti Ivánovitch ouve uma conversa entre dois cachorros. É nesse momento que começamos a perceber a loucura, até ao ponto em que ele descobre que afinal é o rei de Espanha. Hilariante, é só o que te digo.
"Mecenas destes já não existem, como é sabido, uma vez que o nosso século dezanove adquiriu desde há muito a fisionomia enfadonha do banqueiro que se delicia com os seus milhões bastando-lhe apenas olhar para eles na forma de números escritos no papel."
Por último, vou referir ainda O Nariz, conto fantástico e talvez o mais conhecido do autor, pelo menos foi o que encontrei mais vezes referido pela Internet a fora. Aqui o insólito acontece quando um homem acorda, sem que nada de estranho tivesse acontecido antes, e se depara com o seu reflexo no espelho que lhe revela a ausência total do seu nariz. O espanto do homem prende-se com os problemas sociais que esta perda lhe vai trazer. Como poderá se apresentar no trabalho, nos salões, nas ruas? O que era extraordinário só piora quando Kovaliov descobre o seu nariz, vestido com uma bela farda, e com um cargo público superior ao seu. Dá para acreditar?
No fundo, esta é uma grande crítica ao sistema burocrático russo, quase uma sátira em determinados contos, que expõe o quanto é ridícula e sem sentido a forma como são criados esses cargos. Só posso recomendar este livro para começares a ler Gógol, que para mim funcionou muito bem e me deixou com muita vontade de continuar a ler mais. Já leste alguma coisa do autor? Preferes os contos ou as novelas?
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