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terça-feira, 10 de outubro de 2017

#Livros - O Reino do Meio, de José Rodrigues dos Santos



Sinopse
A guerra rebenta em Espanha e o Japão invade a China. Uma relação extraconjugal nos Açores, o atentado contra Salazar e as intrigas palacianas em Tóquio aproximam o coronel Artur Teixeira do cônsul Satake Fukui na mais imprevisível e perigosa das cidades - a Berlim de Adolf Hitler. 
Lian-Hua, a chinesa dos olhos azuis, está prometida a um desconhecido quando vê os japoneses entrarem em Pequim e a sua vida se transforma num inferno. O mesmo espectáculo é observado pela russa Nadezhda Skuratova em Xangai, onde se apaixona por um português que a forçará a uma escolha impossível. 

A Berlim do blackout, dos boatos e das anedotas, do Hotel Adlon, das suásticas que brilham à noite e das lojas vazias com vitrinas cheias; a Pequim das mei po casamenteiras, dos chi pao de seda, dos cules e dos riquexós; a Tóquio do Hotel Imperial, dos golpes no Kantei, do zen e dos códigos de honra giri e ôn; e a Xangai da Concessão Internacional, dos portugueses do Clube Lusitano, dos néones, do Bund, das taxi-girls russas e dos bordéis. 

Senhor de uma prosa sem igual, José Rodrigues dos Santos está de regresso ao grande romance com a conclusão da história inesquecível das quatro vidas que o totalitarismo moldou. Lendo-se como um romance autónomo, O Reino do Meio encerra em grande estilo a polémica Trilogia do Lótus, uma das mais ambiciosas e controversas obras da literatura portuguesa contemporânea. 

Opinião
Depois de me ter roído de curiosidade, enquanto ansiava pelo lançamento deste livro, lá chegou o grande dia em que o recebi e me agarrei a ele com sofreguidão. Foi mais um fim de semana de leitura compulsiva, com paragens apenas porque o cansaço, por vezes, fala mais alto e é preciso descansar um pouco para voltar a perder-me na história e nas personagens. 

Como sempre, senti-me a viver a História de um novo ponto de vista mais pessoal e a conhecer algumas das personalidades que povoam o nosso imaginário. Sem esquecer os nossos quatro protagonistas ficcionais, que nos levam gentilmente por esses caminhos e pelas encruzilhadas das próprias vidas. 

Dado que tenho um interesse muito particular por tudo o que envolve a II Guerra Mundial, foi muito entusiasmante perceber um pouco melhor a forma como Adolf Hitler era visto pelas pessoas na Alemanha e no mundo. Mais, entender a forma estratégica como Salazar lidou com a chegada desta guerra e nos colocou firmemente de parte, negociando a nossa neutralidade criando moedas de troca para ambos os lados da contenda. 

Em Xangai, somos confrontados com os nossos descendentes de Macau, muitos sem nunca ter pisado solo português, mas que mantêm no coração um amor por uma pátria desconhecida e misteriosa que lhes dá muito pouco valor. Os mais jovens já não conhecem a nossa língua, mas cultivam essa admiração por uma herança passada de boca em boca, mais imaginada que lembrada. 

Sem querer criar spoilers, que já sabes que não gosto disso, tenho de manifestar a minha indignação pelo final do livro. A forma como termina, sem que chegue efectivamente ao fim, sem sabermos o que sucede depois com cada personagem. Sabemos o seu destino, mas não o que aconteceu. É frustrante para quem acredita que esta história termina com este livro. 

Não é o meu caso, devo dizer. Para te explicar melhor a minha teoria conto-te que estes três livros são narrados por um personagem, sobre o qual sabemos muito pouco, que se encontra muito doente, em fase terminal, e que decide, antes que a morte o leve, escrever a história de vida de quatro amigos que foram para si muito importantes e especiais. 

Quando o relato deste narrador termina, a II Guerra Mundial tinha acabado de estourar e, como deves imaginar, os protagonistas certamente viveram muitas outras coisas daí em diante. Até porque, neste relato, não nos é explicada a relação do próprio com eles, não se cruzaram ainda. Portanto, quer-me parecer que ainda iremos conhecer mais aventuras do Lótus ou outro nome qualquer que o autor decida colocar nos próximos livros. Certamente, serão relatados por um qualquer familiar do primeiro narrador que, ao encontrar os manuscritos e o material que este ainda possuí, decide continuar a contar os sucedidos. 

O que achas da minha teoria? Lê os livros, rende-te à Trilogia do Lótus, e depois conta-me se achas mesmo que não tenho razão!  

"O português do continente ou das ilhas, transplantado para o ultramar, o Brasil, os Estados Unidos, as ilhas Havai ou a Venezuela, é outro passado curto espaço. Mantendo as qualidades do berço, a sentimentalidade lusitana, o amor da terra, as saudades da pátria, esse português apresenta-se não através das gerações, mas ele próprio, com outro espírito de iniciativa e decisão, maior grau de sociabilidade, outro afã no trabalho, maior largueza de pensamento e, mesmo quando não é mais culto, decididamente outro homem."

"Porque sei que é [o país mais bonito do mundo]. Porque o meu coração me diz que é. Porque quando olho para a minha bandeira ela me diz quem eu sou. Porque quando vejo um português de Xangai ou um macaense ou um timorense ou um goês ou qualquer outro descendente de portugueses na Ásia, como em Malaca, nas Flores ou nas Molucas, sei que todos partilhamos esta coisa maravilhosa que é ser português. Não lhe sei explicar, menina, além de dizer que, apesar de serem raros os portugueses de Xangai ou de qualquer outra parte da Ásia que alguma vez visitaram a Metrópole, todos guardam dentro de si a nostalgia da pátria amada. Talvez o que sinto seja uma miragem e este grande Portugal que nós aqui na Ásia idealizamos nem sequer exista. Se calhar não passa mesmo de uma fantasia romântica de euroasiáticos sonhadores, não digo que não, até porque o nosso país praticamente ignora-nos, o que muito nos custa e temos até uma certa dificuldade em compreender. Mas gostamos de imaginar que, apesar de nos ter esquecido, Portugal é o nosso pai. Somos portugueses e isso basta-nos para estarmos de bem connosco e com o mundo. Tenho estes olhos de asiático, é certo, mas aqui no peito bate um coração lusitano." 

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